Cidade
do Vaticano, 25 mar (RV) - Os dois momentos da liturgia
de hoje, sexta-feira santa, da paixão e morte de Jesus
Cristo _ a Adoração da Cruz e a Via-sacra no
Coliseu _ não contaram com a presença física
do Santo Padre, convalescente em seus aposentos, no Vaticano.
Na manhã
desta sexta-feira santa, os presentes na Basílica vaticana,
sentiram a falta do Papa, que, segundo a tradição,
descia à Basílica de São Pedro, para
confessar alguns fiéis, em várias línguas.
À
tarde, o Cardeal James Francis Stafford, Penitencieiro-Mor,
presidiu, na Basílica vaticana, à celebração
da Paixão do Senhor, com a Adoração da
Cruz.
Durante
o rito sagrado, o pregador oficial da Casa Pontifícia,
Pe. Raniero Cantalamessa, capuchinho, proferiu a homilia,
falando do significado da Eucaristia, o modo inventado por
Deus para ser sempre o “Emanuel”, Deus conosco.
Por sua
vez, durante a celebração da Paixão do
Senhor, o cardeal norte-americano, James Francis Stafford,
rezou pelo Papa, a fim de que Deus-Pai possa dar-lhe saúde
e força para guiar e governar o povo de Deus.
No início
da noite, o Cardeal Camillo Ruini, Vigário do Papa
para a Diocese de Roma, presidiu ao tradicional rito da Via-sacra, no Coliseu romano, carregando a Cruz no lugar de JPII.
O Cardeal
Ruini, Presidente da Conferência Episcopal Italiana,
levou a cruz durante as duas primeiras estações
e na última estação. A cruz foi carregada
ainda por dois frades franciscanos da Custódia da Terra
Santa, uma religiosa da Índia, uma leiga da Coréia
do Sul, uma família de Roma, uma leiga do Sri Lanka,
uma família da Albânia imigrante na Itália,
e um jovem da Arquidiocese de Cartum, no Sudão.
Os milhares
de peregrinos presentes, com velas acesas nas mãos,
meditaram os textos da Via-sacra preparados pelo Cardeal Joseph
Ratzinger, decano do Sacro Colégio Cardinalício
e Prefeito da Congregação para a Doutrina da
Fé.
Em belos
e duros textos, o Cardeal alemão Joseph Ratzinger denunciou
que o homem atual não crê em nada, e se deixa
levar por um novo paganismo, em meio à tendência
de um secularismo sem Deus...
"Na
queda de Jesus sob o peso da cruz, é visível
todo este seu itinerário: a sua voluntária humilhação
para nos levantar do nosso orgulho. E ao mesmo tempo aparece
a natureza do nosso orgulho: a soberba pela qual desejamos
emancipar-nos de Deus, sendo apenas nós mesmos, pela
qual cremos que não temos necessidade do amor eterno,
mas queremos organizar a nossa vida sozinhos. Nesta revolta
contra a verdade, nesta tentativa de nos tornarmos deus, de
sermos criadores e juízes de nós mesmos, caímos
e acabamos por nos autodestruir. A humilhação
de Jesus é a superação da nossa soberba:
com a sua humilhação, Ele nos faz levantar.
Deixemos que nos levante. Despojemos-nos da nossa auto-suficiência,
da nossa errada cisma de autonomia e aprendamos o contrário
d’Ele, d’Aquele que Se humilhou, ou seja, aprendamos
a encontrar a nossa verdadeira grandeza, humilhando-nos e
voltando-nos para Deus e para os irmãos espezinhados."
O Cardeal
disse ainda que a cristandade, em sua história recente,
abandonou Cristo e está-se deixando levar pelas tendências,
criando um novo paganismo, que é pior do que o antigo,
já que, querendo esquecer definitivamente Deus, terminou
por desinteressar-se do homem.
"Na
história, a queda do homem assume sempre novas formas.
Na sua primeira carta, São João fala duma tríplice
queda do homem: a concupiscência da carne, a concupiscência
dos olhos e a soberba da vida. Assim, ele interpreta a queda
do homem e da humanidade, no horizonte dos vícios do
seu tempo com todos os seus excessos e depravações.
Mas, olhando a história mais recente, podemos também
pensar como a cristandade, cansada da fé, abandonou
o Senhor: as grandes ideologias, com a banalização
do homem que já não crê em nada e se deixa
simplesmente ir à deriva, construíram um novo
paganismo, um paganismo pior que o antigo, o qual, desejoso
de marginalizar definitivamente Deus, acabou por perder o
homem. Eis o homem que jaz no pó. O Senhor carrega
este peso e cai... cai, para poder chegar até nós;
Ele olha-nos para que em nós volte a palpitar o coração;
cai para nos levantar."
O Cardeal
Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina
da Fé, pediu a Deus que livrasse o homem do poder da
concupiscência, e que em vez de uma coração
de pedra, lhe desse um novo, de carne, um coração
capaz de ver...
"Senhor
Jesus Cristo, carregastes o nosso peso e continuais a carregar-nos.
É o nosso peso que Vos faz cair. Mas sois Vós
a levantar-nos, porque, sozinhos, não conseguimos levantar-nos
do pó. Livrai-nos do poder da concupiscência.
Em vez do coração de pedra, dai-nos novamente
um coração de carne, um coração
capaz de ver. Destruí o poder das ideologias, para
os homens poderem reconhecer que estão permeadas de
mentiras. Não permitais que o muro do materialismo
se torne intransponível. Fazei que Vos ouçamos
de novo. Tornai-nos sóbrios e vigilantes para podermos
resistir às forças do mal, e ajudai-nos a reconhecer
as necessidades interiores e exteriores dos outros, e a socorrê-las.
Erguei-nos, para podermos levantar os outros. Concedei-nos
esperança no meio de toda esta escuridão, para
podermos ser portadores de esperança no mundo."
O Cardeal
alemão denunciou as vezes em que a força dos
poderosos deste mundo insultam a verdade, a justiça
e a dignidade, e pediu a Deus que desse força aos homens,
para que não se unissem aos que se aproveitam dos mais
fracos.
Recordando as últimas horas de vida de Cristo-homem,
o Cardeal disse que o Juiz do Mundo foi humilhado, desonrado
e exposto indefeso diante do juiz terreno, e que os homens,
como costuma ocorrer com freqüência, olharam para
o outro lado...
"Jesus
é despojado de suas vestes. A roupa confere ao homem
a sua posição social; dá-lhe o seu lugar
na sociedade, fá-lo sentir alguém. Ser despojado
em público significa que Jesus já não
é ninguém, nada mais é que um marginalizado,
desprezado por todos. O momento do despojamento recorda-nos
também a expulsão do paraíso: ficou sem
o esplendor de Deus o homem, que agora está, ali, nu
e exposto, desnudado e envergonha-se. Deste modo, Jesus assume
mais uma vez a situação do homem caído.
Jesus despojado recorda-nos o fato de que todos nós
perdemos a «primeira veste», isto é, o
esplendor de Deus. Junto da cruz, os soldados lançam
sortes para repartirem entre si os seus míseros haveres,
as suas vestes. Os evangelistas narram isso com palavras tiradas
do Salmo 22, 19 e assim afirmam-nos o mesmo que Jesus há-de
dizer aos discípulos de Emaús: tudo aconteceu
"conforme as Escrituras". Não se trata aqui
de pura coincidência, tudo o que acontece está
contido na Palavra de Deus e assente no seu desígnio
divino. O Senhor experimenta todos os estádios e degraus
da perdição dos homens, e cada um destes degraus
é, com toda a sua amargura, um passo da redenção:
é precisamente assim que Ele traz de volta para casa
a ovelha perdida. Recordemos ainda que, segundo diz São
João, o objeto do sorteio era a túnica de Jesus,
a qual, "toda tecida de alto a baixo, não tinha
costura" (Jo 19, 23). Podemos considerar isto como uma
alusão à veste do sumo sacerdote, que era "tecida
como um todo", sem costura (Flávio Josefo, Antiguidades
Judaicas, III, 161). Ele, o Crucificado, é realmente
o verdadeiro sumo sacerdote."
A justiça
foi pisoteada pela velhacaria, pela covardia e por medo da
prepotência da mentalidade dominante. A sutil voz da
consciência foi sufocada pelo grito da multidão,
escreveu o Cardeal, ressaltando com amargura, que muitas vezes,
"os homens preferem o êxito à verdade, nossa
reputação à justiça"!
O Cardeal
Ratzinger fez severas críticas à Igreja...
"Quanta
sujeira existe na Igreja, e justamente entre aqueles que,
no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele.
Quanta soberba, quanta auto-suficiência! Quão
pouco respeito ao sacramento da reconciliação,
no qual Ele nos espera, para nos reeguer de nossas quedas!
(...) Senhor, freqüentemente a tua Igreja nos parece
um barco que está para afundar, um barco no qual entra
água de todos os lados. E também no teu campo
de trigo, vemos mais discórdia do que trigo. As vestes
a a face sujas da tua Igreja nos causam aflição.
Mas somos nós mesmos a nos sujar! Somos nós
mesmos a te trair, depois de nossos grandiloqüentes discursos
e de nossos gestos plateais. (...) Salva e santifica a tua
Igreja. Salva e santifica todos nós!"
JPII participou
espiritualmente, do rito da Via-sacra, com os fiéis
reunidos no Coliseu de Roma, seguindo a cerimônia através
da televisão. O Santo Padre estava em sua capela privada,
em atitude de profunda meditação. Na última
estação, tomou a cruz nas mãos, em sinal
da íntima participação nos sofrimentos
de Cristo.
No início
da Via-sacra, o Cardeal Camillo Ruini leu uma mensagem do
Papa aos numerosos fiéis, provenientes de diversas
partes do mundo. No breve texto, JPII recordou as últimas
horas antes da morte de Cristo, da qual brotou uma nova esperança
para a humanidade. E, através do Cardeal Ruini, o Papa
deixou seu testemunho pessoal:
“Ofereço
também meus sofrimentos, para que se cumpram os desígnios
de Deus e para que sua palavra possa perpetuar entre seu povo.
Expresso minha solidariedade a todos os que, neste momento,
são provados pelo sofrimento. Rezo por cada um deles."
(MT)