Noticiário da Rádio Vaticano
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2014-04-18

Papa e Santa Sé

  • Celebração da Paixão do Senhor: a traição de Judas continua na história e o traído é sempre Jesus
  • 18 de abril
  • Francisco não falará na "Via-Sacra"; prevista somente a bênção aos fiéis: diz Pe. Lombardi
  • Papa Francisco doa 150 ovos de Páscoa ao Hospital Pediátrico Menino Jesus de Roma
  • Papa agradece ao prefeito de Ariccia pelo acolhimento durante Exercícios Espirituais da Quaresma
  • RV transmitirá Missa de Ação de Graças presidida pelo Papa pela Canonização de Anchieta
  • Igreja no Mundo

  • Terra Santa: Patriarca Twal lembra os refugiados na missa da Ceia do Senhor
  • Formação

  • Reflexão para Sexta-Feira Santa
  • Via-Sacra: A paixão da humanidade no tráfico humano
  • A Cruz sinal do cristão
  • Símbolos da semana
  • No meio do caminho tinha uma pedra
  • O sofrimento de Cristo
  • Sacerdotes, arautos da caridade
  • Ano da Caridade no tríduo pascal
  • Eucaristia e Páscoa
  • A renúncia e a cruz na vida do cristão
  • Papa e Santa Sé



    Celebração da Paixão do Senhor: a traição de Judas continua na história e o traído é sempre Jesus

    ◊   Cidade do Vaticano (RV) - O Papa Francisco presidiu, na tarde desta Sexta-feira Santa, na Basílica Vaticana, a celebração da Paixão do Senhor, com o rito da Adoração da Cruz, que caracteriza esta celebração. Como habitual nesta ocasião, a homilia foi feita pelo pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa.

    "Estava com eles também Judas, o traidor." A homilia do frei capuchinho partiu desta afirmação, frisando que a primeira comunidade cristã tem refletido muito sobre ele e que nós faríamos mal se não o fizéssemos o mesmo. Judas tem muito a nos dizer, destacou.

    O religioso lembrou que "Judas não tinha nascido traidor e não o era quando foi escolhido por Jesus; tornou-se! Estamos diante de um dos dramas mais obscuros da liberdade humana. Por que se tornou?" – perguntou.

    Frei Cantalamessa recordou que em anos não distantes tentou-se dar a seu gesto motivações ideais, outros pensaram que Judas estivesse desapontado com a maneira em que Jesus realizou a sua idéia do "reino de Deus" e que quisesse forçá-lo a agir no plano político contra os pagãos.

    Os Evangelhos falam de um motivo muito mais terra-terra – observou: o dinheiro. Judas tinha a responsabilidade da bolsa comum do grupo; na ocasião da unção em Betânia havia protestado contra o desperdício do perfume precioso derramado por Maria aos pés de Jesus, não porque se preocupasse pelos pobres, assinala João, mas porque “era um ladrão e, como tinha a bolsa, tirava o que se colocava dentro"(Jo 12, 6). A sua proposta aos chefes dos sacerdotes é explícita: “Quanto estão dispostos a dar-me, se vo-lo entregar? E eles fixaram a soma de trinta moedas de prata" (Mt 26, 15).

    Mas por que maravilhar-se desta explicação e achar que ela é banal? Não foi quase sempre assim na história e não é ainda assim hoje em dia? Mamona, o dinheiro, não é um dos muitos ídolos; é o ídolo por excelência; literalmente, “o ídolo de metal fundido" (cf. Ex 34, 17), frisou o pregador da Casa Pontifícia.

    Quem é, nos fatos, o outro patrão, o anti-Deus, Jesus no-lo diz claramente: “Ninguém pode servir a dois senhores: não podeis servir a Deus e a Mamona” (Mt 6, 24). O dinheiro é o "deus visível", em oposição ao verdadeiro Deus que é invisível.

    Mamona é o anti-Deus, porque cria um universo espiritual alternativo, muda o objeto das virtudes teologais. Fé, esperança e caridade não são mais colocados em Deus, mas no dinheiro. Ocorre uma sinistra inversão de todos os valores. "Tudo é possível ao que crê", diz a Escritura (Mc 9, 23); mas o mundo diz: "Tudo é possível para quem tem dinheiro”. E, em certo sentido, todos os fatos parecem dar-lhe razão.

    Citando a Escritura, Frei Cantalamessa lembrou que "o apego ao dinheiro é a raiz de todos os males". Por trás de todo o mal da nossa sociedade está o dinheiro, ou pelo menos está também o dinheiro.

    Como todos os ídolos, o dinheiro é "falso e mentiroso": promete a segurança e, em vez disso, a tira; promete a liberdade e, em vez disso, a destrói, ressaltou.

    Após afirmar que o deus dinheiro se encarrega de punir, ele mesmo, os seus adoradores, o frei capuchinho recordou que "é possível trair Jesus também por outros tipos de recompensa que não sejam as trinta moedas de prata. Trai a Cristo quem trai a própria esposa ou o próprio marido. Trai a Jesus o ministro de Deus infiel ao seu estado, ou que, em vez de apascentar o rebanho apascenta a si mesmo. Trai a Jesus quem trai a própria consciência".

    O religioso franciscano observou que Judas tinha um atenuante que nós não temos. Ele não sabia quem era Jesus, considerava-o somente “um homem justo”; não sabia que era o Filho de Deus, nós sim.

    O Evangelho descreve o fim horrível de Judas: "Judas, que o havia traído, vendo que Jesus tinha sido condenado, se arrependeu, e devolveu as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo: pequei, entregando-vos sangue inocente. Mas eles disseram: O que nos importa? O problema é seu. E ele, jogando as moedas no templo, partiu e foi enforcar-se” ( Mt 27 , 3-5).

    Mas não julguemos apressadamente, disse o pregador da Casa Pontifícia. Jesus nunca abandonou a Judas e ninguém sabe onde ele caiu quando se jogou da árvore com a corda no pescoço: se nas mãos de Satanás ou naquelas de Deus. Quem pode dizer o que aconteceu na sua alma naqueles últimos instantes? "Amigo", foi a última palavra que Jesus lhe disse no horto e ele não podia tê-la esquecido, como não podia ter esquecido o seu olhar.

    O destino eterno da criatura é um segredo inviolável de Deus. A Igreja nos garante que um homem ou uma mulher proclamados santos estão na bem-aventurança eterna; mas de ninguém a Igreja sabe com certeza que esteja no inferno.

    Da mesma forma que procurou o rosto de Pedro depois de sua negação para dar-lhe o seu perdão, terá procurado também o de Judas em algum momento da sua via crucis! Quando da cruz reza: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23 , 34), não exclui certamente deles a Judas.

    Então, o que faremos, portanto, nós? Quem seguiremos, Judas ou Pedro? – perguntou o religioso. Pedro teve remorso pelo que ele tinha feito, mas também Judas teve remorso, tanto que gritou: "Eu traí sangue inocente!", e devolveu as trinta moedas de prata. Onde está, então, a diferença? Em apenas uma coisa: Pedro teve confiança na misericórdia de Cristo, Judas não! O maior pecado de Judas não foi ter traído Jesus, mas ter duvidado da sua misericórdia.

    Se nós o imitamos, quem mais quem menos, na traição, não o imitemos nesta sua falta de confiança no perdão, exortou. Existe um sacramento no qual é possível fazer uma experiência segura da misericórdia de Cristo: o sacramento da reconciliação. Como é belo este sacramento! É doce experimentar Jesus como mestre, como Senhor, mas ainda mais doce experimentá-lo como Redentor: como aquele que te tira para fora do abismo.

    Concluindo, o pregador da Casa Pontifícia recordou que Jesus sabe fazer de todas as culpas humanas, uma vez que nos tenhamos arrependido, “felizes culpas”, culpas que não são mais lembradas a não ser pela experiência da misericórdia e pela ternura divina da qual foram ocasião! (RL)

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    18 de abril

    ◊   Cidade do Vaticano (RV) - "Seguir Jesus de perto não é fácil, porque a estrada que Ele escolhe é o caminho da cruz." (Tuíte do Papa Francisco)

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    Francisco não falará na "Via-Sacra"; prevista somente a bênção aos fiéis: diz Pe. Lombardi

    ◊   Cidade do Vaticano (RV) - O Papa Francisco permanecerá em oração ao término da "Via-Sacra desta noite no Coliseu de Roma, sem pronunciar um discurso, em seguida abençoará os fiéis. Foi o que afirmou em coletiva o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, na manhã desta Sexta-feira Santa, na qual falou sobre as celebrações pascais a serem presididas pelo Pontífice. Devido a grande expectativa de participação dos fiéis, para a ocasião foram montados telões na área dos Fóruns Imperiais.

    Um operário e um empresário juntos, dois moradores de rua e ainda crianças, anciãos, doentes e encarcerados. A cruz será carregada por pessoas de todas as idades e proveniência, com uma atenção particular para as situações de sofrimento, para as quais o arcebispo de Campobasso – sul da Itália -, Dom Giancarlo Bregantini, se volta em suas meditações preparadas para a "Via-Sacra".

    Um rito que o Papa Francisco acompanhará em oração do terraço do Palatino. Não se terá o tradicional discurso do Papa na conclusão do evento, como destacou Pe. Lombardi:

    "O que se sabe até o momento é que o Papa não pensa falar no final da "Via-Sacra", não pensa fazer um discurso, nem mesmo sem texto, mas permanecer em silêncio e dar a bênção. Essa foi a informação que tive. Depois, deixamos ao Espírito Santo e à liberdade do Papa ver se deseja dizer algo ou não."

    Devido ao tamanho das meditações, este ano a "Via-Sacra" durará aproximadamente uma hora e quarenta e cinco minutos – meia hora a mais em relação ao ano passado – e deverá terminar em torno das 23h locais.

    As meditações serão lidas pela atriz Virna Lisi e pelo jornalista Orazio Coclite. A condutora da oração será Simona De Santis. As pessoas que carregarão a Cruz não a seguirão em procissão desde o início, mas esperarão a sua vez em cada estação. Ao menos 50 países seguirão o evento ao vivo através de suas emissoras de televisão.

    O porta-voz vaticano afirmou que durante a Vigília Pascal, no sábado à noite, o Papa batizará 10 catecúmenos: 5 da Itália; os outros da Belarus, Senegal, Líbano, França e Vietnã.

    No que tange à missa de Páscoa, o Papa – como de costume nesta Solenidade – presidirá sem concelebrante e não está prevista homilia, mas somente a Mensagem antes da bênção "Urbi et Orbi" (à cidade de Roma em ao mundo), sem saudações em outras línguas. (RL)

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    Papa Francisco doa 150 ovos de Páscoa ao Hospital Pediátrico Menino Jesus de Roma

    ◊   Cidade do Vaticano (RV) - A Santa Sé enviou, nesta sexta-feira, um caminhão carregado de ovos de Páscoa para as crianças internadas no 'Hospital Pediátrico Menino Jesus' de Roma. Este é o presente que o Papa Francisco quis oferecer aos pequenos pacientes do hospital.

    Os 150 ovos coloridos foram distribuídos na sala de jogos e entre as crianças da ala de oncologia. Em 21 de dezembro de 2013, o Papa Francisco visitou a estrutura hospitalar. Naquele dia, no Janículo, o Santo Padre foi recebido por uma multidão de fiéis, enfermeiros e médicos. Ele sorriu, brincou e acariciou com afeto cada criança.

    O Hospital Pediátrico Menino Jesus de Roma é propriedade da Santa Sé desde 1924. É conhecido pelas famílias como o "Hospital do Papa". O primeiro pontífice a visitar o hospital, em 1958, foi o Papa João XXIII. Depois, todos os outros pontífices fizeram o mesmo. (MJ)

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    Papa agradece ao prefeito de Ariccia pelo acolhimento durante Exercícios Espirituais da Quaresma

    ◊   Cidade do Vaticano (RV) - O Papa Francisco escreveu ao Prefeito de Ariccia, Emilio Cianfanelli, agradecendo-lhe pelo presente e acolhimento durante os Exercícios Espirituais da Quaresma realizados, em março passado, na Casa Divin Maestro dos religiosos Paulinos.

    A notícia foi divulgada pela Prefeitura de Ariccia, cidade localizada nos Castelos Romanos, explicando que a comunidade ainda recorda a presença do Papa Francisco na cidade por ocasião dos Exercícios Espirituais da Quaresma para o Papa e a Cúria Romana.

    O prefeito, em nome de toda a cidade, doou ao Papa a cópia de um afresco de Gian Lorenzo Bernini, conservado no Palazzo Chigi, que retrata um homem com uma criança, símbolo do amor paternal para com o filho.

    O Papa Francisco agradeceu ao prefeito e a comunidade de Ariccia e pediu-lhes para rezar por ele e pelo seu ministério de sucessor de Pedro. O pontífice invocou sobre o povo de Ariccia os dons abundantes da graça, serenidade e paz. (MJ)









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    RV transmitirá Missa de Ação de Graças presidida pelo Papa pela Canonização de Anchieta

    ◊   Cidade do Vaticano (RV) - O Programa Brasileiro informa todas as emissoras coligadas com a Rádio Vaticano que, extraordinariamente, no dia 24 de abril, quinta-feira, a partir das 17h50 de Roma, (12h50) de Brasília, o sinal em satélite e o canal web serão dedicados à transmissão ao vivo, direto da Igreja de Santo Inácio de Loyola, em Roma, da Santa Missa presidida pelo Papa Francisco - em língua portuguesa - em Ação de Graças pela Canonização de São José de Anchieta.

    Portanto, as emissoras que retransmitem o programa das 19h de Roma, (14h de Brasília) poderão acessá-lo ‘on-demand’, em qualidade profissional, em nosso site. Os ouvintes de Roma poderão acompanhar o programa, como sempre, em Ondas Médias, na frequência 1260 kHz.



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    Igreja no Mundo



    Terra Santa: Patriarca Twal lembra os refugiados na missa da Ceia do Senhor

    ◊   Jerusalém (RV) - "O mal não tem a última palavra, porque o vencedor é Cristo morto e ressuscitado", disse o Patriarca Latino de Jerusalém, Dom Fouad Twal, na missa da Ceia do Senhor celebrada na Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém, nesta Quinta-feira Santa.

    O patriarca enfatizou o valor da mensagem de esperança que Cristo irradia no mundo, até nas situações mais difíceis e dramáticas. "O perdão que Cristo nos doa é fonte de serenidade interior e exterior e nos torna artesãos de paz num mundo onde infelizmente reinam divisões, sofrimentos, injustiças, ódio e violência", frisou Dom Twal, recordando o gesto exemplar do lava-pés realizado por Jesus e repetido durante a liturgia de Quinta-feira Santa.

    "Diante de um número crescente de irmãos refugiados que chegam ao país, guerras, violências, pessoas que passam fome e não têm casa, devemos estender a mão, enxugar as lágrimas e consolar muitos corações dilacerados. Esta é a lição e a mensagem de Quinta-feira Santa. Uma mensagem que, partindo da Terra Santa, se espalhou pelo mundo", disse ainda o Patriarca Latino de Jerusalém.

    "Aqui em Jerusalém, os nossos predecessores da primeira comunidade cristã viveram esses mistérios, assíduos na oração, na partilha do pão, na leitura das escrituras e no exercício da caridade fraterna", lembrou.

    Dom Twal recordou que daqui a poucos dias o Papa Francisco chegará a Jerusalém, "guia e pastor, homem de oração e diálogo, cujo exemplo de vida e palavras nos fazem voltar ao espírito do Evangelho, espírito de bondade e humildade, longe da violência e da arrogância".

    Um convite especial a não perder toda tentativa de construção da paz foi feito pelos patriarcas e líderes das Igrejas cristãs da Terra Santa na mensagem pascal deste ano. "Rezemos para que a força da ressurreição possa banir todos os sofrimentos humanos", destaca a mensagem. (MJ)


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    Formação



    Reflexão para Sexta-Feira Santa

    ◊  
    Cidade do Vaticano - (RV) - Celebramos hoje nossa redenção. O Senhor se entregou livremente ao Pai para que todos nós fossemos redimidos, libertos do pecado e pudéssemos nos relacionar com Deus como nosso Pai.

    Jesus, para isso, abandonou-se nas mãos do Pai, aderindo, por amor, totalmente à sua vontade, em uma dinâmica de união.

    Adão, pecando, afirmou sua independência, sua autonomia diante de Deus.

    Jesus, em sua paixão, afirmou sua dependência, abandonando-se em Deus, seu Pai.

    No dia de hoje contemplamos a humanidade de Jesus, não de fora, mas pelo interior de seus sentimentos.

    Somos convidados a comungar com a humanidade de Jesus. Movidos pela conaturalidade do amor, saiamos de nós mesmos, façamos um êxodo de nosso interior para que possamos viver a liberdade do amor. Sair de si mesmo para entrar de cheio no abandono de Jesus Cristo nas mãos do Pai, numa adesão, por amor, à sua vontade.

    Deixemos ecoar dentro de nosso coração, saboreando espiritualmente, as SETE PALAVRAS DE CRISTO NA CRUZ:

    - “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.”
    - “Hoje, estarás comigo no Paraíso.”
    - “Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis aí tua Mãe.”
    - “Meu Deus, meu Deus! Por que me abandonastes?”
    - “Tenho sede.”
    - “Tudo está consumado.”
    - “ Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.”

    Cesar Augusto dos Santos, SJ


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    Via-Sacra: A paixão da humanidade no tráfico humano

    ◊  
    Cidade do Vaticano (RV) - A Via-Sacra é uma oração que tem como objetivo meditar a paixão, morte e ressurreição de Cristo. Rezar a Via-Sacra significa percorrer com Jesus o caminho que leva ao Calvário.

    A Via-Sacra no Coliseu de Roma nesta Sexta-feira Santa conta com as meditações escritas pelo Arcebispo de Campobasso–Boiano, sul da Itália, Dom Giancarlo Bregantini. Nelas o arcebispo aborda questões que afligem o mundo e o sul da Itália tais como: as condições dos detentos em prisões superlotadas, as mortes provocadas por resíduos tóxicos, crise econômica, precariedade, desemprego, especulação financeira, suicídios de empreendedores, os dramas dos imigrantes, a violência contra a mulher, os traumas das crianças vítimas de abusos, as dores das mães que perderam seus filhos em guerras e no abismo das drogas ou do álcool.

    Com a Campanha da Fraternidade deste ano sobre o tema "Fraternidade e Tráfico Humano" e o lema "É para a liberdade que Cristo nos libertou", a Igreja no Brasil focaliza um tema da vida social a fim de despertar a solidariedade das pessoas em relação a uma problemática concreta que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos e apontando soluções.

    Este ano, fomos convidados pela Igreja no Brasil a refletir sobre a crueldade do tráfico humano. A maioria das pessoas traficadas é pobre ou está em situação de grande vulnerabilidade. As redes criminosas do tráfico valem-se dessa condição, que facilita o aliciamento com enganosas promessas de vida mais digna. Uma vez nas mãos dos traficantes, mulheres, homens e crianças, adolescentes e jovens são explorados em atividades contra a própria vontade e por meios violentos. Essa situação rompe com o projeto de vida na liberdade e na paz e viola a dignidade e os direitos do ser humano.

    Nós conversamos com o Reitor do Colégio Pio Brasileiro, em Roma, Pe. João Roque Rohr, sobre o significado da Via-Sacra no contexto do tema da Campanha da Fraternidade deste ano "Fraternidade e Tráfico Humano". (MJ)

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    A Cruz sinal do cristão

    ◊   Cidade do Vaticano (RV) - Sexta-feira Santa, recordamos neste dia a morte de Jesus na Cruz. A cruz simboliza as duas direções que se cruzam do mandamento do amor: o amor a Deus na direção vertical e o amor ao próximo na direção horizontal. A cruz é o sinal que marca, envolve e acompanha a vida do cristão.

    Pedimos ao Arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta uma reflexão sobre a Cruz. (SP)


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    Símbolos da semana

    ◊   Jales (RV) - As primeiras páginas da Bíblia estão repletas de símbolos. Eles desafiam nossa inteligência. E nos mantêm alertas para perceber novos significados que possam abrigar por trás da ousadia de seus símbolos.

    Os primeiros onze capítulos do Livro do Gênesis não são relatos históricos. São textos simbólicos. Lançam mão da estratégia de usar cenas com aparências históricas, para expressar situações amplas e permanentes.

    Por exemplo, a “história” de Caim matando o seu irmão Abel, infelizmente não se reduz a um episódio isolado, que a Bíblia registra. Porque na verdade é uma cena simbólica, mostrando quanto a humanidade continua impregnada de sentimentos negativos que levam os irmãos a se matarem entre si.

    Da mesma maneira, é simbólica a “história” do dilúvio que cobriu toda a terra, ou a “história” da torre de Babel. Usam um gênero literário parecido com as “parábolas”, que Jesus contava com maestria.

    Seria muito cômodo reduzir estes relatos à sua aparência concreta. O desafio é interpretar o seu significado, que é sempre mais amplo do que sugere sua fisionomia externa.

    O relato da criação do mundo dentro dos moldes de uma “semana”, foi o objeto preferido das apressadas acusações contra a bíblia. Hoje a semântica reconhece que este relato faz parte das mais famosas páginas que a literatura mundial já registrou

    Entre tantos símbolos, usados neste relato da criação do mundo que a Bíblia apresenta, o símbolo da semana continua rendo o mais rico, e o mais valorizado pela liturgia.

    Para a Bíblia, a semana é a medida simbólica da totalidade do universo. Desde a sua primeira página, apresenta o mundo ritmado na seqüência de sete dias, expressando a perfeição do projeto divino e sua realização harmoniosa na natureza.

    Daí nasce a força simbólica da semana. Na linguagem bíblica, ela é a medida do universo, e a expressão dos desígnios originais de Deus, o Criador.

    Cristo veio retomar estes desígnios, e refazê-los com a nova medida da misericórdia divina, que assimila as conseqüências do pecado, e reintegra a humanidade em seu mistério de amor.

    A ação de Deus, na primeira criação, é colocada no contexto da semana. A “nova criação”, realizada por Cristo, também é colocada na seqüência de uma semana.

    A primeira semana, da criação do mundo, revela o poder de Deus, que faz tudo acontecer sob o comando de sua palavra.

    A segunda semana, também revela o poder de Deus. Mas um poder diferente, que surpreende a humanidade. O poder da misericórdia, que assume a forma de fraqueza humana, manifestada pela humilhação do Cristo que aceita o sofrimento e a morte, frutos do pecado, para vencê-los com a força do amor.

    A semana da criação revela a eficácia da Palavra criadora, que ordena e tudo acontece. A semana da redenção manifesta a fecundidade da obediência de Cristo, que aceita o cálice amargo, e por meio dele redime a humanidade e faz acontecer o “homem novo”, que manifesta todo o seu vigor na glória do Ressuscitado.

    Após 40 anos, o povo entrou na terra prometida. Após os quarenta dias da quaresma, somos convidados a entrar no mistério de Cristo, que nos torna novas criaturas, pela força do seu amor redentor.

    Dom Demétrio Valentini
    Bispo de Jales (SP)

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    No meio do caminho tinha uma pedra

    ◊   Petrópolis (RV) - Ecoa em minha memória o poema de Carlos Drummond de Andrade: "No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Tinha uma pedra. No meio do caminho tinha uma pedra".

    A aparente obviedade dos versos do poeta pode ilustrar os sentimos confusos que, há dois mil anos, dilaceravam o coração dos Discípulos de Jesus. Sim! Puseram uma pedra sobre a sepultura do Mestre, e tudo estava acabado. Dentro, o silêncio de um corpo inerte; fora, a decepção dos que acreditaram que Ele jamais morreria. Os maus venceram... e agora sobrara, tão somente, o luto os justos!

    Entretanto, a vitória dos maus dura pouco, porque a vitória do amor não termina nunca. A história terrena de Deus não podia findar com o riso farfalhoso da aliança diabólica selada entre Herodes, Pilatos, Judas e o Sinédrio. Se o mal aprisiona, Deus liberta. Tudo o que não pôde ser, tudo o que ficou pelo meio, tudo o que foi arruinado pelo desamor, encontrará no Ressuscitado a sua plena transformação. A vida venceu a morte, expulsando para longe o desejo do poder como norma de vida, e a morte como sentença para os desafetos. Ele deu o "direito de o ferirem" e nos concedeu o "direito" de salvação. Nisso está todo o mistério do amor misericordioso de Deus para conosco.

    Assim, na Páscoa de Jesus o amor se revelou mais forte do que o mal e a morte. Ele nos dá a conhecer em que mãos estamos, e para onde ela nos conduz. Viver desta alegria não é perder a lucidez perante o drama do sofrimento, do desemprego, da precariedade de vidas e das incertezas. O povo traz na pele sua paixão, sua dor, sua morte. Porém, somente a certeza de que a Vida venceu - e vencerá - nos põe a caminho para superar nossas mazelas estruturais.

    A Páscoa é a ressurreição do Cristo e, nela, a restauração de nossas almas. Este é o dia de renascer, começar tudo de novo. De nos libertarmos do mal que corrompeu nossas almas e nos recobrirmos com o véu da pureza que um dia tivemos. Hoje é dia de abandonarmos tudo o que é velho e antigo e olharmos para a frente com coragem, dedicando-nos à vida como quem sorve o sumo de um fruto saboroso, que somente Jesus pode nos fazer saborear.

    Sim, Jesus ressuscitou! E sua presença se torna ainda mais viva em nosso dia a dia, pois, por causa desse Senhor, uma pedra de desesperança foi removida de nossas vidas. Por isso nós cremos... por isso temos a certeza de que ressuscitaremos, pois Ele nos precedeu no triunfo sobre a morte, fazendo com que a vida tomasse um rumo novo, baseado no amor e na misericórdia de um Deus vivo, que nos dá participar da mesma vida que Ele fez surgir e sobre a qual tem total poder.

    Dom Gregório Paixão, OSB
    Bispo da Diocese de Petrópolis (RJ)

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    O sofrimento de Cristo

    ◊   Belo Horizonte (RV) - O mundo cristão contempla no horizonte a paixão e morte de Jesus Cristo, o Filho de Deus, na Sexta-feira Santa. Assim, celebra o mistério da salvação e, com reverência amorosa, faz ecoar um silêncio que é a via única para entender o mais perfeito gesto de amor da história da humanidade. Só esse silêncio não dispersa a inteligência na tarefa de inspirar-se pelo amor verdadeiro de Deus, para compreender o sentido redentor do sofrimento de Cristo. O sentido dessa paixão é a salvação de todos, caminho para o entendimento sábio e adequado da dor que acompanha a humanidade. Compreendê-lo é indispensável para que as muitas dificuldades não apaguem a chama da esperança, obscurecendo a vida.

    Indispensável é o desafio de considerar como essencial à natureza humana aquilo que nós exprimimos com a palavra “sofrimento”. As muitas dores manifestam a profundidade que é própria do homem. Assim, o sofrimento parece pertencer ao domínio da transcendência. Indica que a humanidade está, em certo sentido, “destinada” à busca pela superação e é chamada, de modo misterioso, a seguir esse percurso. Uma caminhada que só é possível a partir de uma sabedoria adequada. Enfrentar o sofrimento sem essa consciência pode fazer crescer as lutas e disputas que promovem o caos da desumanização, afetando, de modo particular, a realidade contemporânea.

    Sofrer é inerente à condição terrena do homem; mas é importante compreender que, pela paixão de Cristo na Cruz, o Salvador realizou a redenção da humanidade. Não se pode, portanto, evitar ou tratar com indiferença a realidade da dor. Todos devem assumir o dever cristão de ir ao encontro de cada pessoa que sofre. Assim, o padecer humano deve suscitar compaixão e inspirar também respeito, pois guarda a grandeza de um mistério específico. Esse respeito particular por todo e qualquer sofrimento humano merece ser claramente compreendido como necessidade profunda do coração e exigência da fé. Somos chamados, pela fé, a estar junto a cada irmão que sofre. A dor de cada um, à luz da fé, iluminada pela paixão de Cristo Salvador, não pode ser simplesmente objeto de descrição.

    Oportuno é recordar a palavra do Bem-Aventurado João Paulo II na sua Carta Apostólica sobre o sentido cristão das mais diversas dores. Ele sublinha que o “sofrimento é algo mais amplo e mais complexo do que a doença”. Lembra que a ciência e suas terapias não conseguem compreender e tratar todas as dores, que formam uma dimensão “enraizada na própria humanidade”. João Paulo II alerta que a dor espiritual acompanha sempre as aflições físicas e morais: “A amplidão do sofrimento moral e a multiplicidade das suas formas não são menores do que as do sofrimento físico; mas, ao mesmo tempo, o primeiro apresenta-se como algo mais difícil de identificar e de ser atingido pela terapia”.

    Todo sofrimento é sempre causado pelo mal. Caberá a permanente interrogação a respeito desse mal como possibilidade de uma experiência com força de recuperar a sociedade contemporânea da grave crise moral que ela enfrenta. Diante de todo sofrimento, no combate ao mal que o causa, a solidariedade é a dinâmica indispensável para construir um caminho humanitariamente possível e justo. Nenhuma dor pode ser entendida e enfrentada senão pela sabedoria do amor. E a fonte inesgotável dessa sabedoria é Deus. Jesus Cristo na Cruz, marcante pelo silêncio de sua morte, é a revelação plena do amor divino. Pelo sofrimento redentor de Cristo, Ele atinge as raízes do mal, também existencial e histórico. Existe, pois, um Evangelho do Sofrimento como fonte de imprescindíveis lições para que a humanidade enfrente os seus desafios. O capítulo central desse Evangelho, a ser aprendido para superar todo mal, é o mistério do sofrimento de Cristo. Hoje, Sexta-feira Santa, é oportunidade para que todos compreendam melhor o sentido desse mistério e se fortaleçam no enfrentamento de todas as dores do mundo.

    Dom Walmor Oliveira de Azevedo
    Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)

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    Sacerdotes, arautos da caridade

    ◊   Rio de Janeiro (RV) - Sempre ouvimos o termo sacerdote e seria muito bom, aproveitando o Tríduo Pascal, refletirmos sobre isso em vista das celebrações da Quinta-feira Santa, com a Instituição do Sacerdócio Ministerial.

    Nenhum de nós – que recebemos o sacramento da Ordem em seu segundo ou terceiro graus – tem um sacerdócio próprio, mas somos participantes do único sacerdócio de Cristo, Nosso Senhor (cf. Hb 5,10; 6,20), que é o mediador por excelência entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5). Ele santo, inocente e imaculado (cf. Hb 7,16), com sua única oferenda, levou à perfeição, de uma vez por todas, os que Ele santifica (Hb 10,14) pelo sacrifício de sua cruz.

    Assim como o sacrifício de Cristo é único – o da cruz –, mas torna-se presente no sacrifício da Igreja pela Santa Missa, o único sacerdócio de Cristo torna-se também presente pelo sacerdócio ministerial sem em nada diminuir a unicidade do sacerdócio de Cristo. Daí, ensinar São Tomás de Aquino que “somente Cristo é o verdadeiro sacerdote; os outros são seus ministros” (Comentário aos Hebreus 7,4, citado pelo Catecismo da Igreja Católica n. 1545).

    Se cada cristão batizado, por meio de seu sacerdócio comum ou batismal, tem a missão de exercitar a diaconia da caridade, muito mais nós, ministros ordenados, devemos exercer, de acordo com o nosso estado de vida, o amor fraterno para com os mais necessitados que se encontram à nossa volta e clamam por nossa ajuda, pois veem em nós, apesar de nossas misérias humanas, homens de Deus e distribuidores de Seu amor.

    Aliás, o amor é a tônica ou o diferencial da vida cristã. Foi o próprio Senhor Jesus quem nos disse: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, pois “ninguém tem maior prova de amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,12-13). Esse amor imperava nas primeiras comunidades cristãs, de modo que não havia necessitados entre eles (At. 2,42-47) e, assim, eram um só coração e uma só alma (cf. At 4,32).

    O Apóstolo João exalta tanto a prática do amor que afirma que Deus é amor (cf. 1 Jo 4,16) e aquele que diz amar a Deus a quem não vê, mas não ama seu irmão a quem vê é mentiroso (cf. 1Jo 4,20). São Paulo escreve o belo hino da caridade e diz que sem amor somos como o sino que não faz barulho (cf. 1Cor 13), ou seja, não servimos para nada.

    Voltando-nos para os ministros ordenados, dentre os quais eu me incluo, devemos pensar nas palavras do Senhor, em outro contexto, a dizer que a quem mais é dado, mais será pedido (cf. Lc 12,48). Quer dizer: se dos que receberam o sacerdócio comum dos fiéis pelo Batismo serão pedidas contas, quais não serão as cobranças exigidas daqueles que receberam, além do Santo Batismo, a ordenação presbiteral a fim de sermos as mãos estendidas de Cristo ao mundo?

    Contudo, o que nos motiva a praticarmos o amor-ágape não é o medo da cobrança divina, mas, sim, a responsabilidade da função que assumimos, de servir a Deus por meio dos irmãos, a começar pelos que mais necessitam. Aliás, Jesus deixa claro que não são os que se acham de saúde que carecem de médicos, mas, sim, os doentes (cf. Mc 2,17).

    O Papa Bento XVI recordava, em sua Catequese de 29 de abril de 2010, a vida de São Leonardo Murialdo, enquanto sacerdote exemplar do século XIX, dizendo que ele viveu “ressaltando a grandeza da missão do presbítero, que deve ‘continuar a obra da redenção, a grande obra de Jesus Cristo, a obra do Salvador do mundo’, ou seja, de ‘salvar as almas’, São Leonardo recordava sempre a si mesmo e aos irmãos de hábito a responsabilidade de uma vida coerente com o sacramento recebido. Amor de Deus e amor a Deus: foi esta a força do seu caminho de santidade, a lei do seu sacerdócio, o significado mais profundo do seu apostolado entre os jovens pobres e a fonte da sua oração. São Leonardo Murialdo abandonou-se com confiança à Providência, cumprindo generosamente a vontade divina, no contato com Deus e dedicando-se aos jovens pobres. Deste modo, ele uniu o silêncio contemplativo com o ardor incansável da ação, a fidelidade aos deveres de cada dia com a genialidade das iniciativas, a força nas dificuldades com a tranquilidade do espírito. Este é o seu caminho de santidade para viver o mandamento do amor a Deus e ao próximo”.

    Outro exemplo de caridade sacerdotal, citado por Bento XVI na mesma Catequese, é a de São José de Cottolengo, também santo do século XIX. Este homem de Deus teve sua inspiração para se dedicar mais intensamente à caridade na manhã de domingo, 2 de setembro de 1827, ao encontrar-se, em Turim, com uma família francesa cuja esposa, com cinco filhos, estava em estado de gravidez avançada e com febre alta.

    “Depois de ter passado por vários hospitais – diz Bento XVI –, a família encontrou alojamento num dormitório público, mas a situação para a mulher foi-se agravando e algumas pessoas puseram-se em busca de um sacerdote. Por um misterioso desígnio, cruzaram-se com Cottolengo e foi precisamente ele, com o coração amargurado e oprimido, que acompanhou essa jovem mãe até à morte, entre a angústia de toda a família.”

    “Depois de ter cumprido este doloroso dever, com o sofrimento no coração, foi diante do Santíssimo Sacramento e rezou: ‘Meu Deus, por quê? Por que quiseste que eu fosse uma testemunha? O que queres de mim? É necessário fazer algo!’ Levantou-se, mandou badalar todos os sinos, acendeu as velas e, recebendo os curiosos na igreja, disse: ‘A graça foi concedida! A graça foi concedida!’ A partir daquele momento, Cottolengo foi transformado: todas as suas capacidades, especialmente a sua habilidade econômica e organizativa, foram utilizadas para dar vida a iniciativas em defesa dos mais necessitados.”

    “Ele soube – continua o Papa – empenhar no seu empreendimento dezenas e dezenas de colaboradores e voluntários. Transferindo-se para a periferia de Turim, a fim de ampliar a sua obra, criou uma espécie de povoado, no qual, a cada edifício que conseguiu construir, atribuiu um nome significativo: ‘casa da fé’, ‘casa da esperança’, ‘casa da caridade’. Pôs em ato o estilo das ‘famílias’, constituindo verdadeiras comunidades de pessoas, voluntários e voluntárias, homens e mulheres, religiosos e leigos, unidos para enfrentar e superar em conjunto as dificuldades que se apresentavam.”

    “Cada um, naquela Pequena Casa da Providência Divina, tinha uma tarefa específica: alguns trabalhavam, outros rezavam, uns serviam, alguns educavam e outros ainda administravam. Pessoas sadias e doentes compartilhavam todas o mesmo peso da vida cotidiana. Também a vida religiosa se definiu no tempo, segundo as necessidades e as exigências particulares. Pensou também num seminário próprio, para uma formação específica dos sacerdotes da Obra. Estava sempre pronto a seguir e a servir a Providência Divina, nunca a interrogá-la. Dizia: ‘Sou inútil e nem sei o que faço. Porém, a Providência Divina certamente sabe o que quer. Quando a mim, cabe-me apenas secundá-la. Para a frente, in Domino [no Senhor]’. Para os seus pobres e mais necessitados, definir-se-á sempre ‘o operário da Providência Divina’.”

    “Ao lado das pequenas cidadelas, quis fundar também cinco mosteiros de irmãs contemplativas e um de eremitas, e ali considerou entre as realizações mais importantes: uma espécie de ‘coração’ que devia pulsar por toda a Obra.”
    Vê-se que ambos os santos sacerdotes caridosos tudo fizeram pelos mais necessitados, sem, contudo, descuidarem, por mínimo que fosse, da vida espiritual alicerçada na oração. Esta é o centro, o cume da caridade, pois por ela falamos com Deus e nos preparamos para, nas pregações, falar de Deus e, na caridade, agir como Cristo, Deus feito homem por amor de nós, agiria se ali estivesse.

    Se olharmos para este nosso imenso Brasil, relembrando as nossas paróquias ou as cidades pelas quais já passamos, também encontraremos exemplos caritativos de velhos párocos que foram, a justo título, chamados de “pai dos pobres”, tão grande era o seu cuidado para com todos os que os procuravam. Ninguém saía do mesmo modo que chegou.

    Engana-se, no entanto, quem imagina que a caridade é só material. Temos as clássicas obras de misericórdia, sendo que sete delas são materiais (dar de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, vestir os nus etc.) e sete são espirituais (aconselhar os errantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos etc.), de modo que, mesmo sem recursos financeiros, é possível praticar o amor para com o próximo que bate à nossa porta.

    Eis um exemplo não muito distante de nós: um jovem entregue ao vício do álcool, em um momento de sobriedade pediu ajuda por e-mail a Dom Estevão Bettencourt, beneditino do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro e que muito fez por esta Arquidiocese, e para o qual celebramos missa no sexto aniversário de seu falecimento na semana passada. O monge lhe respondeu aconselhando-o, caridosamente, a deixar a bebida buscando auxílio de seus pais, voltando a estudar (atividade que ele deixara), procurando apoio em um grupo de AA (Alcoólicos Anônimos) e tentando reencontrar o sentido da vida em Deus e nos valores da fé por meio do apoio de um sacerdote.

    Ciente das dificuldades em que o rapaz se encontrava, Dom Estevão lhe falava em certo trecho da mensagem: “Dirá você: e como hei de me aproximar de Deus? Como O acharei, a Ele que é invisível? – Respondo: procure um sacerdote ou um amigo firme na fé, alguém que tenha experiência do convívio com Deus e que lhe possa falar do Eterno com conhecimento de causa. A função do padre é servir aos irmãos e fazer tudo para ajudá-los. Se não encontrar alguém nas suas cercanias, disponha do irmão que lhe escreve (...). Use e abuse de quem o passa a ajudar” (Pergunte e Responderemos n. 448, setembro de 1999, p. 430).
    Eis um belo exemplo da caridade sacerdotal que leva ao desprendimento de si para consumir-se, qual chama de uma vela, pelos irmãos que mais carecem de nosso auxílio certo, nas horas incertas de suas vidas a fim de poderem sair de suas “periferias existenciais”, como gosta de lembrar o Papa Francisco, e vir para o centro da vida, da família, da comunidade... de onde nunca deveriam ter se afastado.

    Como não lembrarmos aqui daquela canção religiosa que diz “Quem vive para si empobrece o seu viver, quem doar a própria vida, vida nova há de colher”. Sim, pois o Pai do céu ama quem oferta sem reservas e com alegria (cf. 2Cor 9,7). Este deve ser o caso do sacerdote para quem, a partir do momento de sua entrega vocacional, cujo ápice é a ordenação, nada mais lhe pertence, mas tudo o que Deus lhe deu deve ser colocado a serviço do irmão.

    Sem vivermos essa realidade desafiadora, mas, ao mesmo tempo nobre, da nossa missão, corremos o risco de ser como o sino que soa em vão, de nos tornarmos meros “funcionários do sagrado, sem fé e nem amor”. Não foi para isso que Cristo chamou e escolheu a nós, seus ministros, mas, sim, para sermos arautos da caridade, uma vez que Ele mesmo deu-nos o exemplo maior, entregando Sua vida por nós quando ainda éramos pecadores (cf. Rm 5,6).

    Cientes de tudo isso, peçamos confiantes: Senhor Jesus, dai-nos a graça de viver santamente o meu ministério sacerdotal servindo na caridade os meus irmãos e irmãs, especialmente aqueles que mais necessitam de minha presença junto deles a fim de levar-Vos comigo. Amém!

    Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
    Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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    Ano da Caridade no tríduo pascal

    ◊   Rio de Janeiro (RV) - Neste tempo favorável da Quinta-feira Santa, quando renovamos as nossas promessas sacerdotais, quero, por ocasião de nosso Ano da Caridade Arquidiocesano, compartilhar algumas reflexões sobre o dia da instituição da Santíssima Eucaristia e do Sacerdócio Ministerial. Agradeço a Deus, em primeiro lugar, pelo trabalho que todos e cada um dos nossos presbíteros realizam em nossa Arquidiocese do Rio de Janeiro.

    Prezados irmãos no sacerdócio de Cristo, Nosso Senhor, o sacerdote por excelência segundo a ordem de Melquisedec (cf. Hb 5,10), estamos vivendo, desde o dia 20 de janeiro, festa de São Sebastião, padroeiro da nossa Arquidiocese, o Ano da Caridade, ou seja, um tempo oportuno da graça de Deus (kairós) para juntos refletirmos e agirmos dentro do amor inspirado pela Sagrada Escritura, mais especialmente pelo Novo Testamento, que é o ágape (grego) ou caritas, caritais (latim).

    Desejo, portanto, a partir desta Mensagem, pensar com os senhores, presbíteros desta porção do povo de Deus que está no Rio de Janeiro, a respeito do significado do termo ágape: amor fraterno, serviçal, desinteressado, que se dirige diretamente ao ser amado ou àquele que amamos sem esperar nada em troca, pois é exatamente neste tipo de amor que todos devem nos reconhecer como verdadeiros cristãos. Esta é, sem rodeios, a lição de Jesus Cristo: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,34-35).

    Deste amor brota a comunhão (koinonia), essência do mistério da Igreja. Comunhão que, segundo o Papa João Paulo II, “é o fruto e a expressão daquele amor que, brotando do coração do Pai Eterno, se derrama em nós por meio do Espírito Santo que Jesus nos dá (cf. Rm 5,5), para fazer de nós ‘um só coração e uma só alma’ (At 4,32). Ao realizar essa comunhão de amor, a Igreja manifesta-se como ‘sacramento, ou sinal, e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano’ (Lumen Gentium, 1)” (Novo Millennio Ineunte, n. 42).

    Continua, ainda, o Beato João Paulo II a escrever, em 2001: a respeito do amor “as palavras do Senhor são tão precisas que não é possível reduzir o seu alcance. A Igreja terá necessidade de muitas coisas para a sua caminhada histórica, também no novo século; mas, se faltar a caridade (ágape), tudo será inútil. O apóstolo Paulo no-lo recorda no hino da caridade: ainda que falássemos a língua dos homens e dos anjos e tivéssemos uma fé capaz de ‘transportar montanhas’, mas faltasse a caridade, de ‘nada’ nos serviria (cf. 1Cor 13,2). A caridade é verdadeiramente o ‘coração da Igreja’ como bem intuiu Teresa de Lisieux, que eu quis proclamar Doutora da Igreja precisamente como perita da scientia amoris: ‘Compreendi que a Igreja tem um coração, um coração ardente de amor; compreendi que só o amor levava os membros da Igreja a agir [...]; compreendi que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo’. Manuscritos B, 3-3vs: Opere Complete (Vaticano 1997), 223” (idem).

    O Bispo com o presbitério e todo o povo de Deus são chamados a derramar esse amor caritativo abundantemente. Bento XVI nos recorda que a “Igreja enquanto família de Deus deve ser hoje como ontem, um espaço de ajuda recíproca e, simultaneamente, um espaço de disponibilidade para servir mesmo aqueles que, fora dela, têm necessidade de ajuda” (n. 32).

    Devemos contar com sacerdotes, religiosos e leigos(as) engajados na prática da caridade, sempre em comunhão com o seu Pastor que segue, por sua vez, como carta magna orientadora, o hino da caridade entoado por São Paulo (1Cor 13). Afinal, amar com amor-ágape não é recorrer a ideologias que pregam o melhoramento meramente humano do mundo, nem apenas dar ao outro qualquer coisa minha, mas dar-me a mim mesmo. Devo estar presente no dom como pessoa (cf. DCE, n. 33-34).

    Nossa Arquidiocese tem, com a graça de Deus, inúmeras obras de caridade. Algumas vivem dificuldades nos seus projetos. Não vamos nos esmorecer diante das referidas dificuldades para não perdermos os espaços conquistados. Sabemos que muitas legislações procuram dificultar o exercício da caridade, que sempre foi uma marca da Igreja e que iniciou em nossa pátria uma série de atividades que até hoje permanecem, mesmo com as mudanças de leis e dos costumes.

    O verdadeiro cristão age sob esse diferencial, que supera uma mera filantropia (amizade com o homem), porque, em sintonia direta com Cristo, Nosso Senhor, quer servir como Ele serviu, a ponto de, cingido com uma toalha, lavar os pés dos discípulos (cf. Jo 13,1-13) e amar como Ele amou ao morrer na cruz por todos (cf. Jo 13,1; 15,13). Ora, se vivermos imbuídos desse amor, seremos, enquanto ministros ordenados, como os primeiros cristãos, dóceis e dedicados ao próximo na oração e na fração do pão (cf. At 2,42), de modo que, nas nossas comunidades paroquiais – realidade pastoral centralizada no Documento Comunidade de comunidades: uma nova paróquia, da coleção Estudos da CNBB n. 104, e na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco, n. 27-33 – reine a verdadeira fraternidade na qual todos, indistintamente (cf. Lc 10,31 – parábola do Bom Samaritano), tenham o necessário para uma vida digna.

    Para concretizar o amor-agápe, desde a Igreja primitiva, ao lado do anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria) e da celebração dos Sacramentos (leiturgia), existe o serviço da caridade para com os mais necessitados (diakonia) entendido não como mais uma forma de assistência social que qualquer um poderia executar, mas, sim, como um elemento essencial da missão da Igreja (DCE n. 25). É por essa razão que os primeiros diáconos não foram pessoas escolhidas aleatoriamente. Ao contrário, para desempenharem a caridade em favor do próximo, ofício, antes de tudo verdadeiramente espiritual, deviam ser homens cheios do Espírito Santo e de sabedoria (cf. At 6,1-6). E esse tipo de trabalho social alicerçado na fé é o nosso diferencial.

    A fim de manter vivo esse significativo diferencial, Bento XVI julga ser “muito importante que a atividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante”. Para isso, é preciso que todos estejam disponíveis a socorrer os que mais precisarem no “aqui e agora da vida” com competência técnica, sem dúvida, mas também e, sobretudo, com o coração formado a partir do encontro pessoal com Deus, em seu Filho Jesus Cristo; estejam isentos de partidos ou ideologias, especialmente da marxista, que menospreza a caridade como se esta fosse responsável pela manutenção de uma sociedade injusta e opressora, quando, na realidade, o cristão é chamado, independentemente do que os ideólogos pensam ou deixam de pensar, a minorar a dor de seus irmãos e irmãs em todo tempo e lugar; a caridade cristã não deve ser proselitista, ou seja, deve-se fazer a caridade de modo totalmente gratuito em nome de Deus e dos princípios da Igreja, mas sem querer, a partir ou por meio dela, impor nossa fé aos socorridos (DCE n 31).

    Enquanto homens da Igreja, temos – especialmente os sacerdotes protagonistas desta mensagem do bispo – de entender que a Mãe Igreja tem o seu modo próprio de agir, à luz do Evangelho (há um conjunto de documentos que formam a Doutrina Social da Igreja, desde a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, até a Caritas in Veritate, de Bento XVI, em 2009), mas ela não despreza – e isso é importante em nossa prática pastoral – as iniciativas de outras instituições religiosas, conforme está claro na encíclica Solicitudo Rei Socialis, do Papa João Paulo II, publicada em 1987. Nesse memorável documento, aquele Pontífice afirma que “do mesmo modo em que nós, católicos, convidamos os nossos irmãos cristãos a participarem das nossas iniciativas, assim também nos declaramos prontos a colaborar com as suas, acolhendo os convites que nos forem feitos. Nesta busca do desenvolvimento integral do homem, podemos fazer muito também àqueles de outras religiões, que creem em Deus, como, de resto, já se está fazendo em várias partes” (n. 32).

    É este um pensamento importante que eu quis retomar na recente Carta Pastoral Amar, Unir, Servir, de 25 de janeiro último, ao fazer a seguinte constatação, que desejo, muito cordialmente, ver concretizada entre nós: “Sei que nem todas as pessoas são cristãs, que nem todos os cristãos são católicos. No ideal da unidade, ideal que aprendi de Jesus Cristo e coloquei como lema para minha vida (cf. Jo 17,21), desejo que estejamos cada vez mais unidos, na certeza de que temos mais razões para nos unir do que para nos separar. Convido a todos para valorizar todas as situações que a vida nos apresentar, vendo-as como convites a nos unirmos, a estarmos juntos, a fazermos juntos o que será para o benefício de todos, especialmente, como tanto tenho aqui repetido, pelos que sofrem” (n. 17).

    Recordemos da advertência do nosso querido Papa Francisco: nem toda carência é apenas material, por isso não se pode, em nome de um ativismo caritativo (cf. Evangelii Gaudium [EG] n. 199), negligenciar aos irmãos necessitados os valores espirituais próprios da Igreja. Eis, textualmente, suas palavras que parecem escritas com o coração de um Pastor realmente tomado de amor por suas ovelhas: “desejo afirmar, com mágoa, que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta dum caminho de crescimento e amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária” (idem, n. 200).

    Aliás, um pouco antes, Francisco – retomando alguns pontos já apresentados nesta reflexão – nos propõe o roteiro da caminhada com os pobres, preferidos de Cristo (cf. Lc 4,18; Mt 5,3 etc.), ao dizer que “O amor autêntico é sempre contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou vaidade, mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência: ‘Do amor, pelo qual uma pessoa é agradável a outra, depende que lhe dê algo de graça’ (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I-II, q. 110, a. 1.). Quando amado, o pobre ‘é estimado como de alto valor’ (idem, I-II, q. 26, a. 3.) e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou políticos. Unicamente a partir desta proximidade real e cordial é que podemos acompanhá-los adequadamente no seu caminho de libertação. Só isto tornará possível que ‘os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como ‘em casa’. Não seria, este estilo, a maior e mais eficaz apresentação da boa nova do Reino?’ (João Paulo II, Carta Ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 50: AAS 93 (2001), 303). Sem a opção preferencial pelos pobres, ‘o anúncio do Evangelho – e este anúncio é a primeira caridade – corre o risco de não ser compreendido ou de afogar-se naquele mar de palavras que a atual sociedade da comunicação diariamente nos apresenta” (idem, 50: o. c., 303) (EG., n. 199).

    Estamos vivendo o ano eleitoral e é importante que valorizemos e defendamos os valores do Evangelho que se expressam nas questões sociais. Espero que continuemos dando atenção especial aos que mais precisam de assistência, promoção e transformação social.

    Peço-lhes, queridos sacerdotes, que transmitam aos seus fiéis, em todos os recantos desta amada Igreja Metropolitana, os meus mais efusivos cumprimentos pascais. Abracem seus fiéis em meu nome e dos bispos auxiliares. Levem a todos a boa notícia do Evangelho da Vida: Jesus Cristo venceu a morte e está vivo verdadeiramente!

    Por fim, prezados sacerdotes, abraçando-os neste tempo pascal, peçamos, por intercessão da Virgem Maria, que o Divino Espírito Santo nos inspire na prática da caridade e nas atividades pastorais, de modo que possamos, no dia final, ouvir do Senhor: “Vinde benditos de meu Pai, recebei por herança o reino que estava preparado para vós desde a fundação do mundo” (Mt 25,34). Amém!

    Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
    Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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    Eucaristia e Páscoa

    ◊   Rio de Janeiro (RV) - “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”.

    Esta é a tarde que faz memória da Ceia Pascal de Jesus. Aquilo que o Senhor realizou durante toda a vida e consumou na cruz – isto é, sua entrega de amor total ao Pai por nós –, ele quis nos deixar nos gestos, nas palavras e nos símbolos da Ceia que celebrou com os seus. Naquela Mesa Santa do Cenáculo, estava já presente, em símbolos e gestos, a entrega amorosa do Calvário. É isto que celebramos neste momento sagrado, momento de saudade, de aconchego e de despedida. Era em família que os judeus celebravam o Banquete pascal... Jesus celebrou com seus discípulos, conosco, sua família: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim,” até o extremo de entregar a vida, pois “não há maior prova de amor que entregar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).

    Nesse final de tarde e início de noite, Ele se fez nosso servo, Ele lavou nossos pés, porque “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). Lavando os nossos pés, Ele revelou de modo admirável seu desejo de nos servir, dando a vida por nossa salvação.

    Hoje, Ele nos deu o novo mandamento: “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que façais a mesma coisa que eu fiz”. Assim fazendo e assim falando, o Senhor nos ordena, por amor a Ele, que nos sirvamos mutuamente, nos amemos mutuamente, nos aceitemos e perdoemos mutuamente, até dar a vida uns pelos outros. Eis nosso testamento, nossa riqueza e também nossa vergonha, por que tantas vezes descumprimos o desejo do Senhor! Que contemplando o gesto do Senhor, hoje nos demos o perdão. Eu vos peço em nome de Cristo: reconciliai-vos em família, por amor de Cristo; reconciliai-vos na paróquia, nos grupos e movimentos de Igreja, por amor Daquele que nos amou assim e nos deu o exemplo! Por Aquele que se deu a nós nesta tarde bendita, perdoemo-nos, acolhamo-nos, amemo-nos! Assim, caríssimos, celebraremos a Santa Páscoa no domingo próximo, participando hoje desta Ceia bendita!

    O Senhor – para que tenhamos a força de amar como ele, de confiar amorosamente no Pai como ele, de amar os irmãos como ele – instituiu hoje o Sacramento do amor, a Eucaristia. Hoje ele quis permanecer conosco no Pão e no Vinho, como sacramento do seu Corpo e Sangue, imolado e ressuscitado para ser nossa oferta ao Pai, nosso alimento no caminho e nosso penhor de ressurreição e vida eterna. Quanta gratidão, quanto reconhecimento devem brotar do nosso coração! Seu Corpo por nós imolado, seu Sangue por nós derramado, Jesus por nós entregue – sacramento de um amor eterno, de uma entrega sem fim, de uma presença perene! Comungar hoje do Corpo e do Sangue do Senhor é não somente unir-se a ele, mas estar disposto a ir com ele até a cruz e a morte! “O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo?” (1Cor 10,16). Que grande mistério esta união de vida e de morte com nosso Senhor pela Eucaristia! Não reneguemos na vida e nas ações Aquele que hoje nos convida à sua mesa e conosco celebra a sua Páscoa!

    Bento XVI, em 2007, nos ensinou que: "Ninguém me tira a vida; sou Eu que a dou por mim mesmo". Agora, Ele oferece-a a nós. O haggadah pascal, a comemoração da ação salvífica de Deus, tornou-se memória da cruz e da ressurreição de Cristo, uma memória que não recorda simplesmente o passado, mas atrai-nos à presença do amor de Cristo. E assim a berakha, a oração de bênção e de ação de graças de Israel, tornou-se a nossa Oração Eucarística, em que o Senhor abençoa as nossas oferendas pão e vinho para, nelas, se entregar a si mesmo. É também o mistério de sua cruz que é renovado em cada missa. Oremos ao Senhor para que nos ajude a compreender cada vez mais profundamente este mistério maravilhoso, a fim de O amarmos sempre mais e, nele, para que O amemos cada vez mais. Peçamos-lhe que nos atraia com a Sagrada Comunhão cada vez mais para junto de si. Rezemos para que Ele nos ajude a não conservar a vida para nós mesmos, mas a oferecê-la a Ele e, desta forma, a trabalhar juntamente com Ele, a fim de que os homens encontrem a vida, a vida verdadeira, que só pode vir Daquele que Ele mesmo é o Caminho, a Verdade e a Vida!”

    Hoje, para presidir a Eucaristia e ser um sinal do Senhor, mestre e servidor, Cristo, na Ceia, instituiu o sacerdócio ministerial: aqueles que em seu nome e por sua ordem deverão presidir a Celebração eucarística até que Ele volte.

    Guardemos no mais profundo do coração os mistérios desta Missa na Ceia do Senhor. Um amor tão grande, uma entrega tão total deve mover nosso coração, deve nos fazer sentir compungidos, desejosos de abrir nossa vida para o Cristo e realmente caminhar com Ele. Tudo, nesta celebração, respira amor, fala de amor: recordem o cordeiro imolado da primeira leitura – é o Cristo que por nós é imolado; pensem no pão sem fermento que partimos e no cálice da aliança que repartimos, na segunda leitura – é ainda o Cristo que se deixa ficar entre nós e em nós, como alimento e vida nova, plena do Espírito do Pai; recordem o Senhor inclinado, lavando-nos os pés, dando-nos a vida e dizendo a você e a Pedro: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo”– é o Senhor na sua pura entrega de amor por nós! E a grande manifestação pública do amor de Deus entre nós é a vivência cotidiana da Páscoa na promoção da cultura da vida e na promoção da paz. Vamos dar um basta definitivo à violência e vamos valorizar a vida em plenitude!

    Que nestes dias celebremos estes santos mistérios pascais com piedade, espírito de adoração profunda e profunda gratidão para com Aquele que por nós quis entregar-se às mãos dos malfeitores e sofrer o suplício da cruz. Não fiquemos indiferentes, não sejamos frios: tudo quanto celebrarmos foi por nós que o Senhor instituiu e para a nossa salvação que realizou! E que, pela Páscoa deste ano de 2014, Ele se digne conduzir-nos à Páscoa eterna. Amém!

    Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
    Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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    A renúncia e a cruz na vida do cristão

    ◊   Rio de Janeiro (RV) - A cruz é o sinal do cristão! Esta afirmação pode parecer simples, mas tem profundidade teológica, pois quem busca um Cristo sem a cruz corre o risco de encontrar uma cruz (sofrimento) sem Cristo. Enquanto seguidor de Cristo, o cristão sabe que o Senhor é o Deus da vida a reinar glorioso, mas entende também que o sofrimento, em suas diversas naturezas, é inerente à vida humana e, por isso, o próprio Deus, embora não cause nem queira a dor, permite-a para fazer dela via de santificação e salvação.

    Isso ensina o Papa emérito Bento XVI em sua catequese de 29 de outubro de 2008, ao tratar do mistério da cruz nos escritos do Apóstolo Paulo: “As primeiras comunidades cristãs, às quais São Paulo se dirige, sabem muito bem que Jesus já ressuscitou e está vivo; o Apóstolo quer recordar não apenas aos Coríntios ou aos Gálatas, mas a todos nós, que o Ressuscitado é sempre Aquele que foi crucificado. O ‘escândalo’ e a ‘loucura’ da Cruz encontram-se precisamente no fato de que onde parece existir somente falência, dor e derrota, exatamente ali está todo o poder do Amor ilimitado de Deus, porque a cruz é expressão de amor, e o amor é o verdadeiro poder que se revela precisamente nesta aparente debilidade”.

    D. Estevão Bettencourt, OSB, escreve no editorial da revista Pergunte e Responderemos, nº 471, agosto de 2001, p. 1: “Ao considerar a sorte final do cristão, o Apóstolo o tem como co-herdeiro do Pai com Cristo, à condição de passar pela via régia por que passou o Senhor Jesus: a via da cruz “... contanto que compadeçamos para que sejamos também glorificados” (Rm 8,17). “O Senhor Jesus quis fazer do padecimento e da morte (consequências do pecado) a estrada real que leva à glória. Sofrer com Cristo é configurar-se ao Filho e tornar-se co-herdeiro do Pai”.

    O cristão é “co-herdeiro do Pai com Cristo”, ou seja, todos nós que recebemos, no Batismo, o dom da fé cristã e a professamos no dia a dia somos cristãos. Deus quis, pelas águas batismais, tornar-nos filhos no Filho (Gl 4,5-7). Sim, o Filho por excelência é Jesus Cristo e é n’Ele, por Ele e para Ele que tudo foi criado, a fim de que em tudo fosse d’Ele a primazia (cf. Cl 1,15-20), mas o Senhor, de modo livre e gratuito, nos chamou a tomar parte nessa herança divina. Tornamo-nos, então, co-herdeiros: o Senhor Jesus, Filho de Deus, reparte conosco tudo o que o Pai lhe deu.

    Isso, todavia, tem apenas uma condição: “passar pela via régia por que passou o Senhor Jesus: a via da cruz”. A cruz já não é mais um instrumento de vergonha, loucura ou escândalo como foi para os povos antigos, mas é, depois da paixão de Cristo, a via régia ou a estrada real que o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores quis, voluntariamente, como novo homem, passar a fim de abrir-nos, com seu sacrifício redentor, as portas da salvação que o pecado do velho homem fechara.

    Querer estar com o Senhor nos bons momentos é muito fácil, os próprios apóstolos e discípulos não ficaram imunes a essa terrível tentação. Tomemos apenas dois exemplos: a Transfiguração no Tabor (cf. Mc 9,2-8), cujo relato mostra Pedro, Tiago e João entusiasmados com o que viam: o Senhor Jesus envolto em glória acompanhado de Moisés e Elias, símbolos da Lei e dos Profetas do Antigo Testamento. Querem ficar ali, fazer tendas para os ilustres personagens. A eles nem um refúgio era necessário, já estavam felizes só de poderem contemplar tamanha maravilha.

    Contudo, o Senhor, sem privá-los desse importante momento de gozo espiritual, chama-os à realidade convidando-os a descerem da montanha, voltarem para as atividades diárias, retomarem a cruz de cada dia e segui-Lo (cf. Lc 9,23). Também nós sofremos dessa tentação de querermos apenas o Senhor glorificado e desprezarmos o Cristo chagado, cuspido, desprezado... É nada mais nem menos do que a recusa da cruz e a busca apenas da glória. Tentação dos Apóstolos, tentação nossa!

    Outro fato portentoso é a multiplicação de pães e peixes (cf. Jo 6,26s), depois da qual imensa multidão passou a seguir Jesus. O divino Mestre, no entanto, logo percebeu que seus muitos seguidores não estavam interessados na renúncia e no sacrifício corredentor que a vida cristã exige, mas, ao contrário, queriam apenas prosperidade material. Buscavam não o verdadeiro Senhor, que é, sim, poderoso e ressuscitado, mas tão-somente o Jesus taumaturgo ou milagreiro, capaz de satisfazer – às nossas ordens – todos os nossos desejos e caprichos.
    Buscavam não o verdadeiro Deus, revelado plenamente em Jesus Cristo, que ensina a pedir confiante o pão de cada dia (cf. Mt 6,11), mas admoesta também a submetermo-nos ao projeto divino, cuja vontade deve ser feita (cf. Mt 26,39), mas procuravam o deus da magia, submisso aos seus desejos mais mesquinhos.
    Quem tem um deus assim, foge na hora do apuro, da cruz. Alguns discípulos que, confusamente, esperavam um Messias glorioso e dominador político que lhes daria tronos neste mundo, de modo que pudessem ficar um à sua direita e outro à sua esquerda podem, simbolicamente, representar cada cristão que não entende o mistério da cruz. Que é incapaz de compreender como Deus se fez homem e, sendo o governante de tudo, o Pantokrator, se submete às forças deste mundo e à morte de cruz. Esse Deus não pode ser seguido, mas, ao contrário, deve – na mentalidade dos que buscam apenas um Rei glorioso – ser abandonado (cf. Mc 14,37s) e a renegado (Lc 22,54-62).

    No entanto, a ação do verdadeiro Deus não é assim, segundo relembra o Papa Bento XVI na catequese que já citamos, ao dizer que: “a Cruz revela ‘o poder de Deus’ (cf. 1 Cor 1, 24), que é diferente do poder humano; com efeito, revela o seu amor: ‘O que é considerado como loucura de Deus é mais sábio que os homens, e o que é tido como debilidade de Deus é mais forte que os homens’ (Ibid., v. 25). Há séculos de distância de Paulo, nós vemos que na história venceu a Cruz e não a sabedoria que se opõe à Cruz. O Crucifixo é sabedoria, porque manifesta verdadeiramente quem é Deus, ou seja, poder de amor que chega até à Cruz para salvar o homem. Deus serve-se de modos e de instrumentos que para nós, à primeira vista, parecem debilidade. O Crucifixo releva, por um lado, a debilidade do homem e, por outro, o verdadeiro poder de Deus, ou seja, a gratuidade do amor: precisamente esta total gratuidade do amor é a verdadeira sabedoria. São Paulo fez esta experiência até na sua carne, e disto dá-nos testemunho em várias fases do seu percurso espiritual, que se tornaram pontos de referência específicos para cada discípulo de Jesus: ‘Ele disse-me: basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que a minha força se revela plenamente’ (2 Cor 12, 9); e ainda. ‘Deus escolheu o que é fraco, segundo o mundo, para confundir o que é forte’ (1 Cor 1, 27). O Apóstolo identifica-se a tal ponto com Cristo que também ele, embora se encontre no meio de muitas provações, vive na fé do Filho de Deus que o amou e se entregou pelos pecados dele e de todos (cf. Gl 1, 4; 2, 20). Este dado autobiográfico do Apóstolo torna-se paradigmático para todos nós”.

    “Contanto que compadeçamos para que sejamos também glorificados”. Duas expressões aí têm seu peso teológico e prático, uma delas é “compadecer-se”. Ora, o termo padecer se prende à raiz grega de pathos, que passou para o latim como passio, passionis, em português, paixão ou sofrimento. Logo, compadecer-se – cum + passio, nis – quer dizer padecer ou sofrer com... Daí uma importante questão: sofrer com quem? – Sofrer com Cristo, especialmente presente na pessoa do irmão necessitado a clamar por ajuda. Aliás, é o próprio São Paulo quem vai dizer: “completo em minha carne o que falta à paixão de Cristo” (Cl 1,24).

    Isso, à primeira vista, pode parecer contraditório, pois a paixão do Senhor foi completa por si mesma, mas o que o Apóstolo quer nos dizer é que mesmo sendo completa, Jesus quis a nossa participação nela, dando-lhe uma moldura nova em nosso tempo. Eu aceito sofrer com Cristo ao assumir a minha cruz e ajudar, qual Cirineu, o meu irmão a carregar a cruz dele. Isso é reviver a Paixão do Senhor no compadecimento ou no sofrer junto aos que sofrem para melhor entender o sentido real da cruz.

    Escreveu o Papa João Paulo II: “Do paradoxo da Cruz surge a resposta às nossas interrogações mais inquietantes. Cristo sofre por nós: Ele assume sobre si os sofrimentos de todos e redime-os. Cristo sofre conosco, dando-nos a possibilidade de partilhar com Ele os nossos sofrimentos. Juntamente com o de Cristo, o sofrimento humano torna-se meio de salvação. Eis por que o crente pode dizer com São Paulo: ‘Agora alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja’ (Cl 1,24). O sofrimento, aceito com fé, torna-se a porta para entrar no mistério do sofrimento redentor do Senhor. Um sofrimento que já não priva da paz e da felicidade, porque é iluminado pelo esplendor da ressurreição” (Mensagem Dia Mundial do Doente, 11/2/2004).

    Outra reflexão é sobre “ser glorificado”: “O Senhor Jesus quis fazer do padecimento e da morte (consequências do pecado) a estrada real que leva à glória”, ou seja, quem não passa pela cruz não chega à glória... Cristo abriu-nos as portas do Paraíso, mas quis (e quer) que nos esforcemos, com a sua graça, para chegar lá. Por isso a cruz é importante. Não uma cruz distante para todos, mas uma cruz próxima conforme entendeu São Paulo, segundo escreve Bento XVI na catequese já citada: “Na experiência pessoal de São Paulo há um dado incontestável: enquanto no início fora um perseguidor e recorrera à violência contra os cristãos, a partir do momento da sua conversão no caminho de Damasco passara do lado de Cristo crucificado, fazendo dele a sua razão de vida e o motivo da sua pregação. No encontro com Jesus, tornou-se-lhe claro o significado central da Cruz: compreendera que Jesus tinha morrido e ressuscitado por todos e por ele mesmo. Ambas as realidades eram importantes; a universalidade: Jesus morreu realmente por todos; e a subjetividade: Ele morreu também por mim. Portanto, na Cruz manifestou-se o amor gratuito e misericordioso de Deus. Paulo experimentou este amor em si mesmo (cf. Gl 2, 20) e, de pecador, tornou-se crente; de perseguidor, Apóstolo”.

    Assumamos com Cristo a Cruz e encontraremos a verdadeira vida, caminhando com certeza para a Páscoa da Ressurreição.

    Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
    Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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