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Sumario del 26/02/2016

Papa e Santa Sé

Igreja na América Latina

Igreja no Mundo

Formação

Atualidades

Papa e Santa Sé



Francisco recorda os 10 anos da primeira Encíclica de Bento XVI

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Cidade do Vaticano (RV) – O Papa Francisco recebeu em audiência no final da manhã desta sexta-feira (26/02), no Vaticano, os participantes do Congresso Internacional sobre os 10 anos da Encíclica Deus caritas est”. 

A primeira Encíclica de Bento XVI, disse o Papa em seu discurso, trata de um tema que permite percorrer toda a história da Igreja, que é também uma história de caridade.

“Esta caridade recebida e doada é o fulcro da história da Igreja e de cada um de nós. O ato de caridade, de fato, não é somente dar uma esmola para lavar-se a consciência, mas inclui uma atenção de amor dirigida ao outro.”

O Ano Jubilar que estamos vivendo, reiterou Francisco, é também uma ocasião para voltar a este coração pulsante da nossa vida e do nosso testemunho. Caridade e misericórdia, destacou, estão estreitamente ligadas, porque são o modo de ser e de agir de Deus: a sua identidade e o seu nome.

Bússola

O Pontífice ressaltou dois aspectos da Encíclica. O primeiro por recordar a verdadeira face de Deus: quem é o Deus que podemos encontrar em Cristo e como é fiel e insuperável o seu amor. “Devemos olhar para a caridade divina como a bússola que orienta a nossa vida antes de nos encaminhar para qualquer atividade: ali encontramos a direção, dela aprendemos como olhar os irmãos e o mundo”, destacou o Papa.

O segundo aspecto é que a Encíclica nos recorda que esta caridade deve se espelhar sempre mais na vida da Igreja. “Como gostaria que cada atividade revelasse que Deus ama o homem!”, acrescentou o Papa.  A missão caritativa da Igreja é importante, explicou, não só porque leva os homens a uma vida digna, mas – sobretudo – porque faz com que cada pessoa se sinta concretamente amada por Deus. E Francisco agradeceu a todos aqueles que se empenham diariamente nesta missão, reiterando o convite a colocar em prática, neste Ano Jubilar, as obras de misericórdia corporais e espirituais.

Concretude

“Viver as obras de misericórdia significa conjugar o verbo amar segundo Jesus”, completou o Papa, concluindo: “A Encíclica Deus caritas est conserva intacto o frescor da sua mensagem, com a qual indica a perspectiva sempre atual para o caminho da Igreja”.

O Congresso internacional foi organizado pelo Pontifício Conselho Cor Unum nos dias 25 e 26 deste mês. 

A conferência se insere no programa de eventos do Jubileu da Misericórdia e tem como objetivo examinar e aprofundar as perspectivas teológicas e pastorais da Encíclica para o mundo de hoje, sobretudo em relação ao trabalho daqueles que exercem o serviço de caridade da Igreja.

Participam do encontro representantes de vários países das conferências episcopais e de organismos caritativos da Igreja. Do Brasil, participa o Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Leonardo Steiner.

Em entrevista ao Programa Brasileiro, ele destaca a gratuidade como traço distintivo da caridade. Ouça-o, clicando aqui:

 

(BF/CM)

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Papa visita comunidade terapêutica para recuperação de toxicômanos

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Cidade do Vaticano (RV) – Na tarde deste 26 de fevereiro, sexta-feira da segunda semana da Quaresma, o Santo Padre Francisco, no contexto dos “sinais jubilares” de testemunho das obras de misericórdia, visitou a Comunidade San Carlo, nas proximidades de Castelgandolfo. Fundada pelo Padre Mario Picchi - com o objetivo de prevenir e enfrentar a exclusão social das pessoas, com particular atenção aos toxicômanos - a obra pertence ao Centro Italiano de Solidariedade.

Seguindo a linha que conceitualmente liga esta Sexta-feira da Misericórdia, os gestos que o Papa realiza durante o Ano Santo repassam simbolicamente as Obras de Misericórdia. Desta vez, sem nenhum aviso prévio, o Papa Francisco apareceu na porta da Comunidade terapêutica San Carlo, na periferia de Roma. A comunidade, fundada pelo Padre Mario Picchi, recebe 55 hóspedes, que realizam um percurso para sair da dependência das drogas.

A surpresa foi geral. Ninguém esperava poder encontrar o Papa e uma profunda comoção tomou conta dos presentes. Francisco queria estar junto com os jovens, ouvir as suas história e que cada um deles pudesse sentir a sua proximidade.  Provocou-os a não deixarem-se devorar pela “metástase” da droga e, abraçando-os, quis fazê-los compreender o quanto o caminho iniciado na comunidade é uma real possibilidade para recomeçar a manifestar uma vida digna a ser vivida.

Com este sinal, portanto, o Papa quis acentuar a necessidade de ter uma constante confiança na força da Misericórdia, que continua a apoiar a nossa peregrinação e que, acompanhando-nos também nas horas mais frias, faz sentir o  calor da sua presença e reveste o homem da sua dignidade.

O significado desta visita foi assim explicado pelo Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Arcebispo Rino Fisichella:

“O Papa Francisco não deixa de surpreender. A sua viagem ao México foi caracterizada por uma forte e inequívoca denúncia  em relação ao narcotráfico. As suas palavras claras permanecem como um eco inconfundível: “Me preocupam tanto que, seduzidos pelo poder vazio do mundo, exaltam as quimeras e se revestem de seus macabros símbolos para comercializar a morte... Vos peço para não subestimares o desafio ético e anticívico que o narcotráfico representa para a juventude e para toda a sociedade, incluída a Igreja”.

Assim, há poucos dias de seu retorno da viagem ao México, o Papa quis ser novamente um sinal concreto e visível daquilo que havia dito na Catedral da Cidade do México: “Nós Pastores da igreja não podemos refugiar-nos em condenações genéricas, mas devemos ter uma coragem profética e um sério e qualificado projeto pastoral para contribuir, gradualmente, em tecer uma delicada rede humana... Somente começando pelas famílias; aproximando-nos e abraçando a periferia humana e existencial dos territórios desolados das nossas cidades; envolvendo as comunidades paroquiais, as escolas, as instituições comunitárias, a comunidade política, as estruturas de segurança; somente assim se poderá libertar totalmente das águas nas quais, infelizmente, se afogam tantas vidas”. (JE)

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Patriarca etíope chega ao Vaticano para encontrar Francisco

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Cidade do Vaticano (RV) – O Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos publicou uma nota por ocasião do início da visita do Patriarca da Igreja Ortodoxa da Etiópia, Abuna Matthias I, ao Vaticano, nesta sexta-feira (26/02). 

O encontro com o Papa está marcado para a segunda-feira, dia 29. Na agenda também está prevista uma visita ao Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e um momento de oração junto ao sepulcro de São Pedro, na Basílica Vaticana.

No domingo, dia 28, o Patriarca celebrará a divina liturgia com a comunidade etíope de Roma na capela do Colégio Urbano.

A Igreja Ortodoxa Tewahedo Etíope

De acordo com uma antiga tradição, o primeiro grande evangelizador dos etíopes foi São Frumêncio, cidadão romano que naufragou na costa africana do Mar Vermelho. Frumêncio foi ordenado bispo por São Anastácio de Alexandria para então voltar à Etiópia para promover a evangelização no país.

A Igreja Ortodoxa da Etiópia faz parte da “família” das “Igrejas ortodoxas orientais”. Esta Igreja, única no seu gênero, manteve diversas práticas hebraicas, como a circuncisão, o respeito às regras alimentares e a observância do “shabbat” de sábado e domingo.

A liturgia etíope é de origem alexandrina (coopta) e é influenciada pela tradição síria. A liturgia sempre foi celebrada na antiga língua Ge’ez até tempos recentes. Atualmente, uma tradição da liturgia em amarico moderno é usada sempre mais nas paróquias. Prossegue uma forte tradição monástica. Hoje, a Igreja conta com 35 milhões de fiéis, com uma grande comunidade em Roma.

Entendimento com a Igreja Católica

As relações com a Igreja Católica são cordiais e se intensificam. O Patriarca precedente, Abuna Paulos, visitou São João Paulo II em 1993 e Bento XVI em 2009.  (RB)

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Presidente argentino encontrará Francisco este sábado

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Cidade do Vaticano (RV) – O Presidente argentino Mauricio Macri já está em Roma para a audiência que terá com o Papa Francisco este sábado, 27, às 9h30, no Vaticano. Segundo o  Jornal “La Nación”, o encontro é aguardado com grande perspectiva, “por inaugurar uma relação de respeito, sóbria e institucional” com o Pontífice Argentino. A viagem do Presidente argentino eleito em novembro passado também será ocasião para estreitar laços comerciais com a Itália.

O encontro com o Papa – precisou o jornal argentino – terá uma “agenda aberta”, mas a Casa Rosada adiantou que será proposta ao Santo Padre uma colaboração na questão dos refugiados sírios.

A primeira conversa telefônica entre o Papa e Macri, após sua eleição em novembro, foi em 17 de dezembro, dia do aniversário do Papa. No mesmo dia, Macri recebeu na Casa Rosada expoentes da Conferência Episcopal argentina.

“A intenção do governo Macri – escreveu nos meses passados o La Nación – é diferenciar-se da presidente que o precedeu e construir uma relação de caráter mais institucional e profundo”. Reforçando, ao mesmo tempo, a relação com os bispos argentinos no país. Como iniciou a fazer participando – ressaltou o L’Osservatore Romano  nos dias passados – de uma missa presidida pelo Cardeal Arcebispo de Buenos Aires Dom Mario Aurelio Poli, durante a qual foi confirmada a notícia da canonização do Beato José Gabriel del Rosario Brochero, mais conhecido como  “cura gaúcho ou cura Brochero”. “O Brochero é o exemplo da Argentina que queremos”, afirmou na ocasião Macri.

Mauricio Macri foi recebido pelo Papa Francisco em 19 de março de 2013, dia em que foi celebrada a missa de início de pontificado. (JE)

 

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Pregação da Quaresma: acolher e praticar a Palavra de Deus

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Cidade do Vaticano (RV) – O Papa Francisco participou na manhã desta sexta-feira (26/02) da segunda pregação da Quaresma, na Capela Redemptoris Mater. 

O pregador da Casa Pontifícia, Fr. Raniero Cantalamessa, propôs aos colaboradores da Cúria Romana uma reflexão sobre a constituição conciliar dogmática Dei Verbum, principalmente no que diz respeito à prática e à meditação pessoal.

“Nenhuma voz humana atinge o homem com a profundidade com a qual atinge-o a palavra de Deus”, afirmou. O frade capuchinho se inspirou nos passos propostos por São Tiago, sendo o primeiro deles a escuta da Palavra. “Esta primeira etapa abraça todas as formas e os modos com que o cristão entra em contato com a palavra de Deus: escuta da Palavra na liturgia, escolas bíblicas, subsídios escritos e – insubstituível – a leitura pessoal da Bíblia.”

O segundo passo sugerido por São Tiago consiste no “fixar o olhar” na palavra, no estar por muito tempo na meditação ou na contemplação da Palavra.

Já a terceira etapa consiste na obediência à Palavra, isto é, colocá-la em prática. “Obedecer à Palavra de Deus significa, na prática, seguir as boas inspirações. O nosso programa espiritual depende em grande parte da sensibilidade às boas inspirações e da prontidão com que respondemos a elas”, recordou o Fr. Cantalamessa, que concluiu sua pregação com o pensamento de um antigo Padre do deserto, João Cassiano.

“A nossa mente, dizia, é como um moinho; o primeiro grão que é colocado na manhã é o que continua a moer durante todo o dia. Apressemo-nos, portanto, a colocar neste moinho, desde o primeiro momento da manhã, o bom grão da palavra de Deus. Caso contrário, vem o demônio e coloca a erva daninha que, durante todo o dia, fará a moedura. A palavra particular que colocamos hoje no moinho da nossa mente é o proposto como lema do ano jubilar: "Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso".”

(BF)

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Íntegra da segunda pregação da Quaresma: “Acolham a Palavra semeada em vós"

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Cidade do Vaticano (RV) – O Papa Francisco participou na manhã desta sexta-feira (26/02) da segunda pregação da Quaresma, na Capela Redemptoris Mater. O pregador da Casa Pontifícia, Fr. Raniero Cantalamessa, propôs aos colaboradores da Cúria Romana uma reflexão sobre a constituição conciliar dogmática Dei Verbum, principalmente no que diz respeito à prática e à meditação pessoal. Eis a reflexcão na íntegra:

“Continuamos a nossa reflexão sobre os principais documentos do Vaticano II. Das quatro “constituições” aprovadas, a que se refere à Palavra de Deus, a Dei verbum, é a única, junto com aquela sobre a Igreja, a Lumen gentium, a ter o status de “dogmática”. Isto se explica com o fato de que com este texto o Concílio pretendia reafirmar o dogma da inspiração divina da Escritura e esclarecer, ao mesmo tempo, a sua relação com a tradição. Fiel à tentativa de iluminar os aspectos mais estritamente espirituais e edificantes dos textos conciliares, limitar-me-ei, também aqui, a algumas reflexões voltadas à prática e à meditação pessoal.

1. Um Deus que fala

O Deus bíblico é um Deus que fala. “Fala o Senhor, Deus dos deuses... não está em silêncio”, diz o Salmo (Sl 50, 1-3). O próprio Deus repete inúmeras vezes na Bíblia: "Ouve, ó meu povo, quero falar" (Sl 50, 7). Nisso a Bíblia vê a diferença mais clara com os ídolos que "têm boca, mas não falam" (Sl 115, 5). Deus usou a palavra para comunicar-se com as criaturas humanas.

Mas qual significado devemos dar a expressões tão antropomórficas como: “Deus disse a Adão”, “assim fala o Senhor”, “disse o Senhor”, “oráculo do Senhor”, e outras coisas semelhantes? Trata-se evidentemente de um falar diferente do humano, um falar aos ouvidos do coração. Deus fala como escreve! “Porei minha lei no fundo de seu ser e a escreverei em seu coração”, diz no profeta Jeremias (Jr 31, 33).

Deus não tem boca e respiração humana: a sua boca é o profeta, a sua respiração o Espírito Santo. "Tu serás a minha boca” diz Ele mesmo aos seus profetas, ou também “porei a minha palavra nos teus lábios”. É o significado da famosa frase: "Movidos pelo Espírito Santo falaram aqueles homens da parte de Deus" (2 Pd 1, 21). A expressão "locuções interiores", com a qual definimos o falar direto de Deus de certas almas místicas, aplica-se, de certo modo qualitativamente diferente e superior, também ao falar de Deus aos profetas na Bíblia. No entanto, é concebível que, em alguns casos, como no Batismo e da Transfiguração de Jesus, tem sido uma voz que soava milagrosamente mesmo fora.

De qualquer maneira, trata-se de um falar no verdadeiro sentido do termo; a criatura recebe uma mensagem que pode traduzir em palavras humanas. É tão vívido e real o falar de Deus que o profeta recorda com precisão o lugar e o momento em que uma determinada palavra "veio" sobre ele: “No ano em que morreu o rei Uzias" (Is 6, 1), "“No trigésimo ano, no quinto dia do quarto mês, quando me encontrava entre os exilados, junto ao rio Cobar” (Ez 1, 1), "no segundo ano do rei Dario, no sexto mês, no primeiro dia do mês" (Ageu 1, 1). Assim de concreta é a palavra de Deus da qual se diz que “cai” sobre Israel, como se fosse uma pedra: “O Senhor enviou uma palavra a Jacó, ela caiu em Israel” (Is 9, 7). Outras vezes a mesma concretude e materialidade é expressa com o símbolo não da pedra que golpeia, mas do pão que se come com prazer: “Quando se apresentavam palavras tuas, as devorava: tuas palavras eram para mim contentamento e alegria de meu coração” (Jer 15, 16; cf também Ez 3, 1-3).

Nenhuma voz humana atinge o homem com a profundidade com a qual atinge-o a palavra de Deus. Essa “penetra até dividir alma e espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições e as intenções do coração” (Hb 4, 12). Às vezes o falar de Deus é "um trovão poderoso que quebra os cedros do Líbano" (Sl 29, 5), outras vezes se assemelha ao "murmúrio de uma brisa suave" (1 Reis 19, 12). Conhece todos os tons da fala humana.

O discurso sobre a natureza do falar de Deus muda radicalmente no momento em que se lê na Escritura a frase: “A palavra se fez carne” (Jo 1, 14). Com a vinda de Cristo, Deus fala também com voz humana, audível com os ouvidos também do corpo. “O que era desde o princípio, o que nós ouvimos, o que nós vimos com os nossos olhos, o que nós contemplamos e o que as nossas mãos tocaram, ou seja, o Verbo da vida [...] nós o anunciamos também a vós” (1 Jo 1, 1).

O Verbo foi visto e ouvido! Entretanto, o que se ouve não é palavra de homem, mas palavra de Deus porque quem fala não é a natureza, mas a pessoa, e a pessoa de Cristo é a mesma pessoa divina do Filho de Deus. Nele Deus não nos fala mais por um intermediário, “por meio dos profetas”, mas pessoalmente, porque Cristo é “a irradiação da sua substância” (cf. Hb 1, 2). Ao discurso indireto, na terceira pessoa, substitui-se o discurso direto, em primeira pessoa. Não mais “Assim fala o Senhor!” ou “Oráculo do Senhor!”, mas “Eu vos digo!”.

O falar de Deus, tanto o mediado pelos profetas do Antigo Testamento, quanto o novo e direto de Cristo, depois de ter sido transmitido oralmente, acabou sendo colocado por escrito, e, assim, temos as divinas “Escrituras”.

Santo Agostinho define o sacramento "uma palavra que se vê” (verbum visibile[1]); não podemos definir a palavra “um sacramento que se ouve”. Em todo o sacramento se distingue um sinal visível e a realidade invisível que é a graça. A palavra que lemos na Bíblia, em si mesma, é um sinal material, como a água no Batismo e o pão na Eucaristia, uma palavra do vocabulário humano, não diferentes das outras. Mas, falando da fé e da iluminação do Espírito Santo, através desse sinal, entramos misteriosamente em contato com a verdade viva e vontade de Deus e ouvimos a própria voz de Cristo.

“O corpo de Cristo – escreve Bossuet – não está mais realmente presente no adorável sacramento do que quanto a verdade de Cristo está na pregação evangélica. No mistério da Eucaristia as espécies que vês são sinais, mas o que nelas se encerra é o próprio corpo de Cristo; na Escritura, as palavras que ouvis são sinais, mas o pensamento que vos dão é a própria verdade do Filho de Deus[2]"

A sacramentalidade da Palavra de Deus se revela no fato de que às vezes obra claramente além da compreensão da pessoa que pode ser limitada e imperfeita; obra quase por si mesma, ex opere operato, como se diz, dos sacramentos. Na Igreja houve e haverá livros mais edificantes do que alguns da Bíblia (basta pensar na Imitação de Cristo); mas, nenhum deles obra como obra o mais modesto dos livros inspirados.

Ouvi uma pessoa dar este testemunho em um programa de televisão do qual eu também participei. Era um alcoólatra no último estágio; não conseguia ficar mais de duas horas sem beber; a família estava à beira do desespero. Convidaram-no, junto com sua esposa, para participar de um encontro sobre a palavra de Deus. Lá alguém leu uma passagem da Escritura. Uma frase atravessou-lhe como uma chama de fogo, e deu-lhe a certeza de estar curado. Depois, toda vez que sentia a tentação de beber, corria para a Bíblia naquele ponto e só ao ler as palavras sentia a força voltar nele, até que conseguiu ficar totalmente curado.

Quando quis dizer qual era aquela famosa frase, a voz ficou entrecortada pela emoção. Era a palavra do Cântico dos Cânticos: “Teus amores são melhores do que o vinho” (Ct 1, 2). Os estudiosos teriam feito careta diante desta aplicação, mas aquele homem podia dizer: “Eu estava morto e agora voltei à vida”, como o cego de nascença dizia aos seus críticos: "Eu era cego, agora vejo" (Jo 9, 10 ss.).

Uma coisa semelhante aconteceu também com Santo Agostinho. No auge da sua luta pela castidade, ouviu uma voz que repetia: “Tolle, lege!”, toma e lê. Tendo consigo as cartas de São Paulo, abriu o livro decidido a tomar como vontade de Deus o primeiro texto que aparecesse. Era Rm 13,13ss: “Como de dia, andemos decentemente; não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes...”. “Não quis ler mais – escreve nas Confissões – nem precisava. Terminada a leitura desta frase, uma luz, quase de certeza, penetrou no meu coração e todas as trevas da dúvida se dissiparam[3]”.

2. A lectio divina

Após estas observações sobre a palavra de Deus em geral, quero concentrar-se na palavra de Deus como caminho de santificação pessoal. “É tão grande a força e a virtude da palavra de Deus – diz a Dei Verbum – que se torna o apoio vigoroso da Igreja, solidez da fé para os filhos da Igreja, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual[4]".

A partir do cartuxo Guigo II[5], vários métodos e esquemas foram propostos para a lectio divina. Porém, eles têm a desvantagem de serem concebidos quase sempre em função da vida monástica e contemplativa, e, portanto, inadequados para o nosso tempo, em que a leitura pessoal da Palavra de Deus é recomendada a todos os crentes, religiosos e leigos.

Felizmente, a própria Escritura nos propõe um método de leitura da Bíblia acessível a todos. Na Carta de São Tiago (Tg 1, 18-25) lemos um famoso texto sobre a Palavra de Deus. Dele tiramos um esquema de lectio divina, que tem três etapas ou operações sucessivas: acolher a palavra, meditar a palavra, colocar em prática a palavra. Reflitamos sobre cada um deles.

a. Acolher a Palavra

O primeiro passo é a escuta da Palavra: "Acolham com docilidade, diz o apóstolo, a Palavra que foi semeada em vós”. Esta primeira etapa abraça todas as formas e os modos com que o cristão entra em contato com a palavra de Deus: escuta da Palavra na liturgia, escolas bíblicas, subsídios escritos e – insubstituível – a leitura pessoal da Bíblia.

"O sagrado Concílio exorta com ardor e insistência todos os fiéis, mormente os religiosos, a que aprendam «a sublime ciência de Jesus Cristo» (Fil. 3,8) com a leitura frequente das divinas Escrituras [...] Debrucem-se, pois, gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão louvavelmente por toda a parte, com a aprovação e estímulo dos pastores da Igreja[6]".

Nesta fase devemos tomar cuidado com dois perigos. O primeiro é o de parar no primeiro estágio e de transformar a leitura pessoal da palavra de Deus em uma leitura impessoal. Este perigo é muito forte, especialmente nos lugares de formação acadêmica. Se alguém espera deixar-se interpelar pessoalmente pela Palavra – observar Kierkegaard – até que não resolva todos os problemas conectados com o texto, as variantes e as divergências de opinião dos estudiosos, nunca terminará qualquer coisa. A palavra de Deus foi dada para que a pratiques e não para que te exercites na exegese dos seus pontos obscuros[7].  Não são os pontos obscuros da Bíblia, dizia o mesmo filósofo, que me dão medo; são os seus pontos claros!

São Tiago compara a leitura da palavra de Deus com um olhar-se no espelho; mas quem se limita a estudar as fontes, as variantes, os gêneros literários da Bíblia, sem fazer outra coisa, é semelhante a alguém que passa todo o tempo a olhar o espelho – examinando a sua forma, o material, o estilo, a época – , sem nunca olhar-se no espelho. Para essa pessoa o espelho não executa a própria função. O estudo crítico da palavra de Deus é indispensável e nunca se é suficientemente grato àqueles que gastam as suas vidas para pavimentar o caminho para uma cada vez melhor compreensão do texto sagrado, mas isso não esgota por si só o sentido das Escrituras; é necessário, mas não suficiente.

O outro perigo é o fundamentalismo: o tomar tudo o que se lê na Bíblia literalmente, sem qualquer mediação hermenêutica. Só aparentemente os dois extremos, do hipercriticismo e do fundamentalismo, são opostos: eles têm em comum o fato de pararem na letra, descuidando o Espírito.

Com a parábola da semente e do semeador (Lc 8, 5-15), Jesus nos oferece uma ajuda para descobrir onde estamos, cada um de nós, em termos de acolhimento da Palavra de Deus. Ele distingue quatro tipos de terreno: o caminho, o terreno pedregoso, os espinhos e a terra boa. Explica, portanto, o que simbolizam os diferentes terrenos: o caminho são aqueles sobre os quais a palavra de Deus não consegue nem repousar; o terreno pedregoso, os superficiais e os inconstantes que ouvem talvez com alegria, mas não dão à palavra a possibilidade de criar raízes; o terreno cheio de espinhos, aqueles que se deixam sufocar pelas preocupações e prazeres da vida; a terra boa são os que ouvem e dão fruto com perseverança.

Lendo, nós podemos ser tentados a olhar com pressa para as três primeiras categorias, esperando chegar à quarta que, mesmo com todas as limitações, pensamos que seja o nosso caso. Na verdade – e aqui está a surpresa – a terra boa são aqueles que, sem esforço, reconhecem-se em cada uma das três categorias anteriores! Aqueles que humildemente reconhecem quantas vezes ouviram distraidamente, quantas vezes foram inconstantes nos propósitos suscitados neles pela escuta de uma palavra do Evangelho, quantas vezes se deixaram levar pelo ativismo e pelas preocupações materiais. Eis que eles involuntariamente estão se tornando a verdadeira terra boa. Que o Senhor nos conceda sermos, também nós, do seu número!

Sobre o dever de acolher a palavra de Deus e de não deixar nenhuma cair no vazio, ouçamos a exortação que dava aos cristãos do seu tempo um dos maiores estudiosos da Palavra de Deus, o escritor Orígenes:

"Vós que frequentemente tomais parte dos divinos mistérios, quando recebais o corpo do Senhor conservem-no com todo cuidado e toda veneração para que nem sequer uma migalha caia no chão, para que nada se perca do dom consagrado. Estais convencidos, com razão, de que é uma culpa deixar cair fragmentos por descuido. Se para conservar o seu corpo tendes tanto cuidado – e é correto que assim seja – , saibais que descuidar a palavra de Deus não é culpa menor do que descuidar o seu corpo[8]”.

b. Contemplar a Palavra

O segundo passo sugerido por São Tiago consiste no “fixar o olhar” na palavra, no estar por muito tempo diante do espelho, em suma, na meditação ou contemplação da Palavra. Os Padres usavam a este respeito as imagens do mastigar e do ruminar. “A leitura – escrevia Guigo II – oferece à boca um alimento substancial, a meditação o mastiga e o tritura[9]”. Quando se procura na memória as coisas ouvidas e docemente são repensadas no coração, torna-se semelhante ao ruminante”, diz Santo Agostinho[10].

A alma que se olha no espelho da palavra aprende a conhecer "como é," aprende a conhecer a si mesma, descobre suas diferenças em relação à imagem de Deus e a imagem de Cristo. "Eu não busco a minha glória", diz Jesus (Jo 8, 50): eis que o espelho está na sua frente e imediatamente você vê o quão distante está de Jesus se busca a sua glória; "Bem-aventurados os pobres em espírito": o espelho está de novo na sua frente e imediatamente lhe descobre ainda cheio de apegos e cheio de coisas supérfluas, cheio, especialmente, de si mesmo; “a caridade é paciente...” e você se dá conta do quão é impaciente, invejoso, interessado. Mais do que“escrutar a Escritura” (cf. Jo 5, 39), trata-se de deixar-se escrutar pela Escritura.

"Pois a Palavra de Deus – diz a Carta aos Hebreus – é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; penetra até dividir alma e espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições e as intenções do coração. E não há criatura oculta à sua presença” (Hb 4, 12-13).

No espelho da Palavra, felizmente, não vemos apenas a nós mesmos e a nossa deformidade; vemos, antes de mais nada, o rosto de Deus; melhor, vemos o coração de Deus. A Escritura, diz São Gregório Magno, é “uma carta de Deus onipotente à sua criatura; nela se aprende a conhecer o coração de Deus nas palavras de Deus[11]”. Também para Deus vale o ditado de Jesus: “A boca fala do que está cheio o coração” (Mt 12, 34); Deus nos falou, na Escritura, do que está cheio o coração, isto é, do amor. Todas as Escrituras foram escritas para esta finalidade: que o homem pudesse entender o quanto Deus o ama, e compreendesse isso para abrasar-se do amor à ele[12]. O ano jubilar da misericórdia é uma ocasião magnífica para reler toda a Escritura deste ângulo, como a história das misericórdias de Deus.

c. Praticar a Palavra

Chegamos, assim, à terceira fase do caminho proposto pelo apóstolo Tiago: “Sejam daqueles que praticam a palavra..., quem a pratica, encontrará a sua felicidade no pratica-la... se alguém só escuta e não coloca em prática a palavra, se assemelha a um homem que observa o próprio rosto em um espelho: depois de olhar, vai embora, e rapidamente esquece como era”.

Isso é também o que mais está no coração de Jesus: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a colocam em prática” (Lc 8, 21). Sem este “praticar a Palavra”, todo o resto é ilusão, construção na areia (Mt 7, 26). Nem sequer pode-se dizer que se compreendeu a Palavra porque, como escreve São Gregório Magno, a palavra de Deus se compreende realmente só quando começa a ser praticada[13].

Esta terceira etapa consiste, na prática, na obediência à Palavra. As palavras de Deus, sob a ação atual do Espírito, se tornam expressão da viva vontade de Deus para mim, em um dado momento. Se escutamos com atenção, nos daremos conta com surpresa de que não há dia sequer em que na liturgia, na recitação de um salmo, ou em outros momentos, não descobrimos uma palavra da qual devemos dizer: “Isso é para mim! Isso é o que devo fazer hoje!”.

 A obediência à palavra de Deus é a obediência que podemos fazer sempre. Obediência a ordens e autoridades visíveis, acontece só de vez em quando, três ou quatro vezes em toda a vida, caso sejam obediências sérias; mas de obediências à palavra de Deus é possível fazer uma a cada momento. É também a obediência que podemos fazer todos, súditos e superiores. Santo Inácio de Antioquia dava este maravilhoso conselho a um colega seu no episcopado: “Que nada se faça sem o teu consentimento, mas, tu, nada faças sem o consentimento de Deus[14]”. 

Obedecer à Palavra de Deus significa, na prática, seguir as boas inspirações. O nosso programa espiritual depende em grande parte da sensibilidade às boas inspirações e da prontidão com que respondemos a elas. Uma palavra de Deus te sugeriu um propósito, colocou no teu coração o desejo de uma boa confissão, de uma reconciliação, de um ato de caridade; te convida a parar um momento o trabalho e dirigir a Deus um ato de amor. Não coloque trava; não deixe passar. “Timeo Iesum transeuntem”, dizia o próprio Agostinho[15]; como dizendo: “Tenho medo da sua boa inspiração que passa e não volta mais”.

Terminamos com o pensamento de um antigo Padre do deserto[16]. A nossa mente, dizia, é como um moinho; o primeiro grão que é colocado na manhã é o que continua a moer durante todo o dia. Apressemo-nos, portanto, a colocar neste moinho, desde o primeiro momento da manhã, o bom grão da palavra de Deus, senão, vem o demônio e coloca a erva daninha que durante todo o dia fará a moedura. A palavra particular que colocamos hoje no moinho da nossa mente é o proposto como lema do ano jubilar: "Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso"”.

[1] Santo Agostino, Tratados sobre o Evangelho de João, 80, 3.

[2] J.B. Bossuet, Sur la parole de Dieu, in Œuvres oratoires de Bossuet, III, Desclée de Brouwer, Paris 1927, p. 627.

[3] Santo Agostinho, Confissões, VIII, 29.

[4] Dei Verbum, n. 21.

[5] Guigo II, Lettera sulla vita contemplativa (Scala claustralium), 3, in Un itinerario di contemplazione. Antologia di autori certosini, Edizioni Paoline, Milano 1986, p. 22

[6] Dei Verbum, n. 25.

[7] S. Kierkegaard, Per l’esame di se stessi. La Lettera di Giacomo, 1, 22, in Opere, a cura di C. Fabro, cit., pp. 909 ss.

[8] Orígenes, In Exod. hom. XIII, 3.

[9] Guigo II, Lettera sulla vita contemplativa (Scala claustralium), 3, in Un itinerario di contemplazione. Antologia di autori certosini, Edizioni Paoline, Milano 1986, p. 22.

[10] Santo Agostinho, Enarr. in Ps., 46, 1 (CCL 38, 529).

[11] S. Gregorio Magno, Registr. Epist., IV, 31 (PL 77, 706).

[12] Santo Agostinho, De catech. rud., I, 8.

[13] S. Gregorio Magno, Su Ezechiele, I, 10, 31 (CCL 142, p. 159).

[14] S. Ignazio d’Antiochia, Lettera a Policarpo 4, 1.

[15] S. Agostino, Discorsi, 88, 14, 13.

[16] Cf. Giovanni Cassiano, Conferenze, I, 18.

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Cardeal Sandri: Cristão valem mais que petróleo, gás e o tráfico de armas

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Cidade do Vaticano (RV) – É realmente “singular a miopia de quem não reconhece” os cristãos “como fermento das sociedades e capazes no tempo de fazer crescer sentimentos mais orientados à dimensão melhor da democracia, sem ter que importá-la ou impô-la com a força do exterior, como os últimos decênios nos fizeram, com tristeza, experimentar. Cristãos que possa podem permanecer e retornar, se tiveram que fugir contra a própria vontade. Eles, como seres humanos, valem mais do que qualquer reserva conhecida ou ainda desconhecida de petróleo, de gás ou do tráfico de armas!”. Foi o que afirmou o Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, Cardeal Leonardo Sandri, ao pronunciar-se no encontro internacional que se realiza em Roma “Between World Society and Regional Transformations: Christians, Christian Churches and Religion in a changing Middle East”, promovido pela Conferência Episcopal alemã em colaboração com a Universidade de Munique da Baviera.

“Ver enfraquecida ou até mesmo extinta a presença cristã como historicamente configurada, tenho a impressão que contribuiria, infelizmente, para uma ulterior exacerbação do conflito interconfessional no mundo islâmico, que parecia adormecido há séculos”, advertiu o Cardeal.  “Ou morrerão todos juntos, ou sobreviverão todos juntos. Os cristãos no Oriente Médio poderão continuar a ser uma presença fundante, somente se conseguirem ser pedras vivas, testemunhas em obras e palavras do Evangelho. A sobrevivência cristã no Oriente Médio será possível se as Igrejas não se dispersarem e se viverem a comunhão e o testemunho como desejado pelo Sínodo para o Oriente Médio de 2010”, observou.

O Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais recordou que “a Santa Sé está plenamente envolvida em promover a unidade dos cristãos também por meio da busca da unificação das datas da Páscoa, ainda não alcançada: um escândalo no escândalo devido precisamente à divisão entre os cristãos”. (JE)

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Gasbarri: 47 anos na Rádio Vaticano, um balanço entusiasmante

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Cidade do Vaticano (RV) - No final deste mês de fevereiro conclui-se o serviço de quase meio século de Alberto Gasbarri na Rádio Vaticano. Ele deixa a Direção Administrativa da emissora e a organização das viagens apostólicas dos papas. Foi propriamente neste mês que realizou sua última missão. No voo para o México com escala em Cuba, o Papa Francisco quis expressar-lhe publicamente sua gratidão. Entrevistado pela RV, Gasbarri traça um balanço destes anos: 

Alberto Gasbarri:- “É um balanço entusiasmante. Eu era jovem, tinha apenas 23 anos, e a Rádio Vaticano 38, mas foi amor à primeira vista, apesar da diferença de idade. Hoje estou com 70 anos e a RV 85, mas o amor é sempre o mesmo. A Rádio Vaticano foi minha primeira família, ao menos em sentido cronológico. De fato, somente alguns anos mais tarde me casei. O ambiente de trabalho era estimulante e envolvedor. No início entrei na Direção Técnica como especialista em áudio e me encontrei inserido num pequeno grupo de técnicos superespecializados com níveis de preparação extraordinários, admirados e estimados inclusive em âmbito internacional. O ambiente multicultural das redações linguísticas era altamente interessante e dava a impressão de viver no centro do mundo e no mundo inteiro ao mesmo tempo. Este sempre foi um ponto forte da Rádio Vaticano. Após cerca de 47 anos rendo graças a Deus por ter-me dado a oportunidade de desempenhar meu trabalho a serviço da Igreja na sua universalidade, consciente de ter dado minha modesta contribuição para o desenvolvimento de um instrumento de comunicação eficiente e prestigioso para a difusão do Evangelho.”

RV: Quais recordações traz consigo de quando começou a trabalhar na Rádio Vaticano?

Alberto Gasbarri:- “Era final de 1969, havia na Rádio um único diretor-delegado que era Padre Stefanizzi. Um homem de grande capacidade e preparação técnica, e de um rigor sem igual. Para se chegar à admissão se tinha que superar vários obstáculos com provas seletivas teóricas e práticas que duravam cerca de dois anos. Ele ofereceu-me um molde que me plasmou para o resto da vida. Sou-lhe eternamente grato e ainda hoje o visito em sua veneranda idade de quase 99 anos. Estávamos aproximadamente na metade do Pontificado de Paulo VI. Um Papa de grande sensibilidade, cultura, fineza e humanidade. Obviamente, a relação que eu tinha com o Santo Padre era vivida, recordo-me, com uma sensação de grande veneração, mas também de temor reverencial. As poucas vezes que tive a oportunidade de estar perto de Paulo VI me paralisava e quase não conseguia falar. Foi um grande Pontífice para o desenvolvimento das comunicações. Efetivamente, na esteira do Concílio Vaticano II deu um impulso ao multilinguismo da Rádio Vaticano com o aumento das redações e o incremento de transmissões voltadas para novas áreas geográficas, sobretudo onde a Igreja sofria. Para as rádios em Ondas Curtas e Ondas Médias eram os anos da grande batalha das potências com a guerra fria e a luta das ideologias. Paulo VI foi o Papa iniciador das viagens apostólicas internacionais, conotação original que sem imaginar teria mudado fundamentalmente a minha vida futura.”

RV: Como foi sua relação com os Jesuítas? Por muitos anos o senhor foi o único diretor leigo da emissora...

Alberto Gasbarri:- “A minha relação com eles foi sempre muito familiar e construtiva. O empenho da Companhia de Jesus naqueles anos era muito forte. De fato, os Padres da Comunidade de então eram numerosos (cerca de 35 nas redações linguísticas e nos cargos de responsabilidade). Após a fase do Diretor único (que era sempre um técnico porque no início a Rádio Vaticano era prevalentemente um instrumento técnico), desenvolveu-se um novo organograma com o diretor geral que era o Pe. Martegani, o diretor dos programas que era o Pe. Blajot e o diretor do rádio jornal que era Pe. Farusi. Ademais, havia os Padres responsáveis pelas seções linguísticas. Todos, homens de grande cultura que faziam me sentir um eterno aprendiz. A minha memória é ainda hoje marcada por uma galeria de personalidades de religiosos de valor que incidiram na minha formação de homem e de católico. Tive a oportunidade de conhecer e frequentar vários Prepósitos Gerais recordando com particular devoção homens extraordinários como Pe. Arrupe e Pe. Kolvenbach. E também o privilégio de trabalhar ao lado de fortes personalidades como Pe. Borgomeo, um grande comunicador e administrador de alta envergadura, e de Pe. Quercetti, de espírito missionário puro e surpreendente, e tantos outros... até os nossos dias com o querido amigo Pe. Lombardi que todos conhecem muito bem.”

RV: Quais os momentos mais bonitos e os mais difíceis?

Alberto Gasbarri:- “Entre os momentos mais bonitos recordo certamente a cobertura radiofônica dos grandes eventos. Por ordem cronológica: o Jubileu de 1975, os dois conclaves de 1978, o Ano Santo extraordinário de 1983, o Jubileu do 2000, a eleição do Papa Bento XVI em 2005 e a de Francisco em 2013. Momentos enaltecedores para quem trabalha numa Rádio e que fazem você sentir viver na história. Entre os momentos difíceis, o dramático atentado a João Paulo II em 1981, a longa agonia e morte de João Paulo II e o sentido de vazio por ocasião da renúncia do Papa Bento. Ainda hoje sinto dentro de mim aquela dor que me comove. Entre os momentos difíceis não posso esquecer também a longa batalha que a Rádio Vaticano teve que travar para defender-se das injustas acusações de criar condições de dano e perigo com sua atividade de transmissão em Ondas Curtas e Ondas Médias. A emissora vaticana sempre observou escrupulosamente as regras internacionais e se tinha a nítida percepção de encontrar-se sob um verdadeiro ataque instrumental.”

RV: A Rádio Vaticano está passando agora por uma transformação. Como vê a reforma em andamento?

Alberto Gasbarri:- “Esta reforma é uma operação que a meu ver devia ter sido feita dez anos atrás. Ou seja, desde quando o mundo da comunicação começou a se transformar em multimídia. Infelizmente, porém, não havia ainda as condições favoráveis para uma reestruturação e uma integração dos órgãos midiáticos vaticanos devido a algumas rigidezes históricas e a uma certa inércia de criatividade. Devido a limitados recursos e à crise econômica se pensava apenas em reduzir os custos com simples manobras de contenção. A coragem e a determinação do Papa Francisco deram uma sacudida em toda a Cúria para adequar a máquina organizativa às modernas necessidades. Porém, a reforma do setor das comunicações terá sucesso e alcançará seu objetivo de eficiência somente se a coragem do Santo Padre for inspiradora e guia também para os reformadores, do contrário, será uma manobra ineficaz. Todavia, será importante que a reforma considere que a comunicação é irrenunciável na obra de evangelização da Igreja, por conseguinte, tenha consciência de custos inevitáveis, e preste atenção para não assumir como modelo de referência os dois critérios subjacentes da comunicação hodierna no mundo que são os do sujeitar-se ao sistema econômico vigente e à busca de agradar. Porque, do contrário, corre-se o risco de inspirar-se propriamente naqueles modelos de vida e de economia da teoria do “descarte” que o Papa Francisco não partilha.”

RV: Não poderíamos deixar de referir-nos à sua atividade de organizador das viagens papais. Poderia contar-nos algum pormenor curioso?

Alberto Gasbarri:- “Obviamente, teria muitos episódios divertidos para contar, mas conto um que me ocorreu quase no início deste ofício muito particular, que sempre considerei meu “pós-trabalho”, porque sempre considerei o da Rádio o “primeiro trabalho”. Trata-se de um episódio que mostra a dificuldade de relação que por vezes se pode ter com certas personalidades. Estávamos no final de 1982 em preparação para a viagem à América Central – a 17ª do Pontificado de João Paulo II –, que se realizou em março do ano seguinte. América Central, viagem de nove dias em oito países: imaginem, esse era o estilo do Papa João Paulo II. Este episódio deu-se na Guatemala. Chegamos com Pe. Tucci para fazer uma primeira inspeção e, como de costume, encontramos o núncio apostólico e os altos representantes da Conferência Episcopal da Guatemala. E entre estes altos representantes encontrava-se o famoso Cardeal Casariego, que era uma das figuras mais carismáticas da América Central, naquele período. É bom lembrar que nos anos oitenta um cardeal era algo muito mais importante daquilo que se considera hoje: eram figuras realmente carismáticas. O Cardeal Casariego acolheu Pe. Tucci e a mim. Viu Pe. Tucci com o “clergyman”, e me viu, naturalmente, com trajes de leigo. Então, afastou-se com Pe. Tucci e desabafou, dizendo: “Pe. Tucci, posso até suportar que o senhor, jesuíta, não venha com a batina, mas com o ‘clergyman’, mas não posso suportar que o senhor se apresente com um coirmão sacerdote vestido como leigo!”. Pe. Tucci respondeu-lhe: “Eminência, aquele que o senhor chama de ‘um coirmão vestido como leigo’ é um leigo, é o Dr. Gasbarri que é um leigo, é meu assistente, estreito colaborador”. Ao que o Cardeal Casariego disse: “Então peço que me desculpe, pensava que fosse um religioso... Mas então temos que encontrar uma bela namorada para este jovem!” – eu estava na casa dos trinta anos... e Pe. Tucci imediatamente,  com a resposta pronta, replicou: “Eminência, o senhor está favorecendo um adultério, porque o Dr. Gasbarri é casado e tem dois filhos...”. Esta foi minha primeira experiência com um dos cardeais considerados personagens históricos na América Latina, naqueles anos.” (RL)

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Igreja na América Latina



Dioceses de fronteira do Haiti e Rep. Dominicana publicam mensagem

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Barahona (RV) – As dioceses de fronteira entre Haiti e República Dominicana publicaram uma mensagem ao final de sua segunda reunião, realizada nos dias 15 e 16 de fevereiro em Cap Haitien (Haiti). 

No texto, destacam: "Esses encontros nos encorajam e nos dão a oportunidade de continuar o trabalho desenvolvido pela Igreja para o bem dos dois povos, em especial dos migrantes, dos refugiados, dos repatriados, dos indocumentados, dos deportados, enfim, dos mais vulneráveis. Queremos também reforçar a vontade de concretizar projetos para o melhoramento das condições de vida nas regiões de fronteira. Necessitamos de um empenho para envolver todas as nossas forças eclesiais: bispos, sacerdotes, religiosos, leigos e organizações da comunidade".

As dioceses de fronteira, as comissões de pastoral dos migrantes, junto às Caritas nacionais dos dois países, reiteram seu empenho pela cultura do acolhimento, “porque quem abriga os nossos irmãos migrantes acolhe o Deus misericordioso", se lê na mensagem, que cita o Jubileu da Misericórdia e a mensagem do Papa para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado.

"No contexto do clima pré-eleitoral nos dois países (Haiti e República Dominicana), pedimos a todos de pensar no bem comum, promover a consciência cidadã para escolher candidatos honestos, de modo que os cidadãos não se sintam obrigados a emigrar. Além disso, pedimos para fazer todo o possível para fazer crescer a fraternidade bilateral, porque somos filhos do mesmo Pai."

O documento é assinado pelos Bispos das diocese de Jacmel, Fort Liberté, Port au Prince (Haiti) e Mao-Monte Cristi, San Juan de la Maguana, Barahona (Rep. Dominicana), e pelos Presidentes da Caritas dos dois países.

(BF/Agência Fides)

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Igreja no Mundo



Cardeal Tagle visitará refugiados sírios e iraquianos

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Manila (RV) - O Arcebispo de Manila, Cardeal Luis Antonio Tagle, Presidente da Caritas Internacional, visitará os refugiados provenientes da Síria e Iraque durante sua visita ao Líbano, de 28 de fevereiro a 2 de março próximo.  

Nos países vizinhos à Síria, as Caritas da Jordânia, Líbano e Turquia continuam levando ajuda aos refugiados que são quase 5 milhões. 

O Cardeal Tagle encontrará também os trabalhadores migrantes, incluindo os oriundos das Filipinas, que foram explorados por seus patrões e que a Caritas Líbano ajuda, fornecendo alojamento e assistências jurídica, médica e psicológica. 

“O Líbano hospeda mais de um milhão de sírios, um peso enorme para um país de apenas 4 milhões de habitantes, enquanto a União Europeia, com mais de 500 milhões de habitantes, considera uma grave emergência a chegada, no ano passado, de um milhão de migrantes e refugiados”, recorda uma nota da Caritas Internacional.

O organismo caritativo católico distribui carburante, aquecedor, ajuda em dinheiro, lençóis, vale alimentação ou outros produtos, e  roupas para o inverno. A Caritas considera a educação uma prioridade e afirma que uma geração inteira de crianças sírias corre o risco de ficar sem instrução. 

A Caritas Líbano ajuda também os refugiados iraquianos em fuga de perseguições. No início de 2016, a Caritas Internacional lançou a campanha “A paz é possível” para por fim à guerra na Síria. (MJ)

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Promoção da paz, tema da plenária da Comece

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Bruxelas (RV) - “A vocação da Europa é promover a paz no mundo” será o tema da assembleia plenária da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (Comece) que se realizará de 2 a 4 de março, em Bruxelas, na Bélgica.
 
Segundo a Agência Sir, “os bispos da Comece serão atualizados por especialistas sobre a situação geopolítica nas fronteiras externas ao sul e ao leste da UE e sobre os novos desafios de segurança”. 

A Alta Representante da UE para Política Externa e Segurança, Federica Mogherini, participará do encontro e falará sobre a nova estratégia global da União Europeia neste âmbito. Além da análise sobre a situação geopolítica, será feita uma reflexão teológica e ética sobre o valor da paz conduzida por Pe. Seán Healy, membro da Social Justice da Irlanda. 

Os bispos da Comece debaterão o esboço do documento sobre  a vocação da Europa na promoção da paz no mundo, preparado conjuntamente pela Comece e a Comissão Europeia Justiça e Paz.

O bispo austríaco Ägidius Zsifkovics falará sobre a situação atual dos Refugiados na Europa e informará sobre os frutos do encontro realizado na metade de fevereiro, em Heiligenkreuz, com os bispos representantes dos países de entrada, trânsito e destino dos fluxos migratórios atuais. (MJ)

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Formação



Espiritualidade na unidade: o desafio dos Focolares

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Cidade do Vaticano (RV) – “Manter sempre vivo o carisma da unidade”: sob este tema, 60 bispos de 4 continentes estão reunidos em Castelgandolfo (RM) desde segunda-feira (22/02) em um congresso promovido pelo Movimento dos Focolares.

Os participantes foram recebidos pelo Papa quarta-feira (24/02), durante a audiência geral, na Praça São Pedro e convidados a “manter vivo seu carisma no ministério apostólico, em comunhão com o sucessor de Pedro”.

Três bispos brasileiros estiveram no encontro: Dom João José da Costa, de Aracajú (SE), Dom Mario Sivieri, de Propriá (SE) e Dom Bernardo Bahlman, de Óbidos (PA), que falou com o Programa Brasileiro.

Unidade, comunhão, colegialidade

Dom Bernardo ressalta que no debate foi ainda focalizada a figura dos Bispos como instrumento de misericórdia e de unidade.

“Estamos aprofundando como viver mais a unidade, mais a comunhão e a colegialidade. Num mundo tão complexo e às vezes tão difícil, queremos zelar para que possamos viver concretamente a espiritualidade da unidade, sobretudo através da partilha, da oração, da vivência da própria espiritualidade. Dentre os assuntos que tratamos, vemos como se pode viver a unidade na espiritualidade hoje, perante os desafios que nós encontramos como cristãos, também como Igreja e sociedade”.

“Tivemos uma palestra muito bonita do nosso ex-Núncio, Dom Lorenzo Baldisseri, hoje cardeal e Secretário-geral do Sínodo, que nos introduziu dentro do espírito da sinodalidade e a compreensão do próprio Papa Francisco em relação a isso. Estamos também conhecendo novos bispos que têm interesse e querem viver esta espiritualidade, que é muito atual nestes tempos em que estamos vivendo”.

Instrumentos de misericórdia e unidade 

“Nosso trabalho, por excelência, é de manter a unidade junto com o povo de Deus e entre o povo de Deus, com o clero, os religiosos, religiosas. Ter uma referência para que possamos ser um rebanho, vivendo a unidade e também a misericórdia”. 

Ouça a entrevista com Dom Bernardo clicando aqui: 

(CM)

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Conheça a Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da CNBB

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Cidade do Vaticano (RV) - No nosso espaço dedicado a melhor conhecer as diferentes Comissões Episcopais Pastorais que compõe a CNBB, vamos tratar na edição de hoje, da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé. 

Mesmo já existindo dentro da CNBB, praticamente desde a sua criação, a Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé passou a ter este nome alguns anos mais tarde, à pedido da própria Santa Sé, com o objetivo de assessorar o episcopado brasileiro e trabalhar as questões de fé e da moral dentro da CNBB, orientando em algumas questões doutrinais.

Mas quem melhor nos explica o trabalho realizado por esta Comissão, é justamente o seu Presidente,  Dom Pedro Carlos Cipollini, Bispo de Santo André, São Paulo:

"Prezados radiouvintes da Rádio Vaticano. Uma saudação à todos que me ouvem neste momento. Gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui e dizer uma palavra sobre a nossa Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé, da CNBB. Esta Comissão Episcopal, que trata das questões de fé e assessora a Conferência Episcopal Brasileira, a CNBB, ela já existe desde praticamente o início da CNBB, com outro nome. A preocupação dos Bispos do Brasil na década de 60, uma década após a fundação da CNBB em 1952, era ter uma palavra autoritativa, uma assessoria melhor em questões de fé. No início, a Comissão se preocupou com a questão de fornecer respostas diante do avanço do espiritismo e de outras modalidades, da existência de, vamos dizer assim, não digo religiões, mas podemos dizer, religiões que no Brasil eram muito significativas para o trabalho pastoral, no sentido de representar um desafio. Depois a Comissão foi se aprimorando e chegou a ter este nome hoje, principalmente a partir da década de 70, 80, a pedido da própria Santa Sé, de ter uma Comissão que assessorasse, que trabalhasse as questões de fé e moral dentro da CNBB, assessorando os Bispos. Esta Comissão é eleita pelos bispos, entre os bispos que têm condições de ajudar nesta linha, e sempre procurando, dentro das várias especialidades da Teologia, e ela tem prestado um grande serviço, no sentido de dar uma palavra, de orientar algumas questões, responder a algumas indagações que às vezes apresentam, ilustrar para a Assembleia alguns itens ou temas".

"É uma Comissão Episcopal e ela leva o nome de Pastoral também, porque ela tem como objetivo, a pastoral, o trabalho pastoral da Conferência, naquilo que implica a fé. De forma que os membros da Comissão se reúnem normalmente. Nós temos uma reunião anual com os peritos da Comissão. Nós temos 20 peritos na área de Teologia Sistemática e Moral e na área bíblica também. Inclusive temos também uma Comsisão interdisciplinar de peritos e uma Comissão de Bíblia: professores, pessoas que nos assessoram na revisão da tradução da Bíblia que a CNBB edita, que será esta revisão editada, para ajudar, inclusive o texto oficial da Bíblia da CNBB, para a liturgia, nas traduções que a CNBB promove do Missal e de outros textos litúrgicos. Então a Comissão também presta assessorias analisando alguns escritos quando solicitada, quando aparecem algumas dificuldades. Tudo isto é trabalho da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé. Sempre em diálogo com os Bispos e também em diálogo com a Santa Sé, com a Congregação da Doutrina da Fé. Quando solicitado, quando temos que responder algumas questões, de forma que este é o trabalho da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé".

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Atualidades



Artigo: Microcefalia e Zika vírus: perplexidades e dúvidas

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Rio de Janeiro (RV*) - A atual crise na saúde pública brasileira, decorrente do aumento dos casos de microcefalia – e mais recentemente da Síndrome de Guillain-Barré – tem sido supostamente associada, em maior ou menor grau, a uma epidemia causada pelo Zika vírus. Este conturbado cenário soma-se a outras graves crises pelas quais passa a nossa nação. Correlacionado a isso, transparece o drama das pessoas e famílias atingidas, bem como direitos individuais e sociais, em especial os direitos constitucionais à saúde e à inviolabilidade do direito à vida, desde o início da existência no útero materno.

A partir de novembro de 2015, foi manifestada surpresa com o grande número de casos de microcefalia detectados no Sistema Único de Saúde, principalmente no Nordeste, levando à decretação de emergência nacional. No dia 1º de fevereiro de 2016, foi anunciado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) emergência de saúde pública internacional, na qual foi afirmado que a investigação sobre a causa dos novos conglomerados de casos de microcefalia e transtornos neurológicos deve intensificar-se para determinar se há uma relação de causalidade com o vírus da Zika e outros fatores ou cofatores.

Em que pese um tentador estabelecimento da relação de causa e efeito entre o Zika vírus e a microcefalia, ainda não há o reconhecimento pela comunidade científica da referida associação, pelo não preenchimento de todos os critérios necessários que normalmente são exigidos para esta conclusão. De fato, há surtos de Zika em outros países em que não se observa maior prevalência de microcefalia, sendo milhares os exemplos de mulheres grávidas infectadas com o referido vírus, na Colômbia, Cabo Verde e El Salvador. No Brasil, a quase totalidade dos novos casos confirmados de microcefalia está localizada no Nordeste (cerca de 98%), principalmente em Pernambuco e Bahia, apesar de 22 estados apresentarem “circulação autóctone do vírus Zika”.

Como não foi cientificamente demonstrada a etiopatogenia da microcefalia a partir do vírus Zika, o aumento do número de casos confirmados de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central pode ser, pelo menos em tese, devido a outros fatores que não o Zika vírus. Porém, tem sido passada, direta ou indiretamente, a ideia  de "relação" entre o vírus e a microcefalia, algumas vezes dando a impressão de que o assunto está, do ponto de vista científico, definitivamente estabelecido, constituindo, portanto, matéria inquestionável. Por sua vez, algumas locuções  governamentais, a despeito da absoluta escassez de publicações científicas em plataformas acadêmicas de reputação nacional e internacional, têm, recentemente, abandonado a prudência, assumindo um ideário implícito de relação causa e efeito – na realidade não comprovada – embora possa ser ressalvada a existência de alguns textos oficiais mais cautelosos quanto a esta afirmação.

A declaração de emergência internacional da Organização Mundial da Saúde – OMS/WHO – deixa expressa não haver comprovação de causa e efeito, bem como a necessidade de aprofundar a investigação das causas, não só em relação ao Zika vírus, mas também em relação a outros fatores e cofatores. É justamente neste sentido que outras possíveis etiologias devem ser verificadas. Neste escopo, pode ser destacada uma hipótese levantada pelo Dr. Plínio Bezerra dos Santos Filho, possuidor de expressivo currículo acadêmico, já apresentada ao Ministério Público Federal, através de um requerimento de sua autoria.

Segundo texto do Dr. Plínio Bezerra, haveria a possibilidade de uma relação entre a microcefalia e duas vacinas aplicadas no Nordeste, a partir de novembro/dezembro de 2014, para debelar um surto de sarampo (MMR) e realizar a prevenção da Difteria, Coqueluche e Tétano (DTPa – Difteria, Tétano e Pertussis, acelular) esta última, tão somente em mulheres grávidas a partir do terceiro trimestre de gravidez. Será apresentada, a título de exemplo, apenas a argumentação quanto à vacina MMR (vacina tríplice viral contra o sarampo, a rubéola e a caxumba) que contém o vírus vivo atenuado da rubéola.

Para proteger do sarampo, a vacina MMR  teria sido aplicada – não em mulheres grávidas, o que seria uma contra-indicação – mas em mulheres em idade fértil nos meses de novembro/dezembro de 2014, em Pernambuco; e até  abril de 2015, no Ceará.  Estados vizinhos, com receio de contágio, também teriam aplicado a vacina. Rio Grande do Norte, por exemplo, terminou a vacinação contra sarampo em dezembro de 2014. O problema é que artigos científicos recomendam que a vacina MMR (contra sarampo) não  seja aplicada em mulheres que queiram engravidar e, caso tal ocorra, que haja o espaçamento de período  (mínimo) de um mês  entre a aplicação  da vacina e o início da gravidez. Nos Estados Unidos da América – EUA, nas décadas de 1970/1980, já fora prescrito como sendo de três meses o intervalo mínimo recomendado entre vacinação e gravidez. 

No Estado de Pernambuco, após a vacinação de sarampo, houve também um surto de Dengue, com pico em abril de 2015. De fato, o informe Epidemiológico  SE 01 a 34/2015, do Estado de Pernambuco refere o total de 7.497 casos, dos quais: 250 Ign/branco; 1 Dengue grave; 74, "Dengue Clássico"; 1274 , "Descartado"; 1887, "Dengue"; 4.008 "Inconclusivo ". As mulheres que engravidaram no Estado de Pernambuco após a vacinação de sarampo (em novembro/dezembro 2014) teriam tido, pois, um possível contato com o Zika vírus no posterior surto de Dengue (em meados do primeiro semestre de 2015).

De acordo com o Informe 12 do COES-MICROCEFALIAS (Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública sobre Microcefalias, do Ministério da Saúde, sobre o “Monitoramento dos Casos de Microcefalia no Brasil”), relativo ao período de 31.01.2016 a 06.02.2016, o número acumulado de notificações de suspeita de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central, relativas ao Estado de Pernambuco era de 1.501 casos. Desses, haviam sido analisados, por ocasião do Informe COES 12 (semana de 21 de janeiro a 6 de fevereiro de 2016),  305 casos suspeitos, sendo 167 casos confirmados e 138 descartados. Cruzando-se esses dados com os dos Informes COES 2 e 3 (Semanas Epidemiológicas de 22 a 28 de novembro de 2015 e de 29 de novembro a 5 de dezembro de 2015, respectivamente), verifica-se que as notificações de casos suspeitos referentes ao Estado de Pernambuco, ora em análise pelo Ministério da Saúde, tanto para confirmação ou não de microcefalia, como para concomitância de infecção de Zika vírus, são os referentes ao final do mês  de novembro/início  de dezembro de 2015. Do Informe COES 2 para o Informe COES 3, ou seja, no espaço de apenas uma semana, houve 556 novos casos de notificações de casos suspeitos só para o Estado de Pernambuco, que passou a acumular, em 5 de dezembro de 2015, 804 casos suspeitos notificados.

Faltam ser analisados, tomando-se por base os dados disponíveis até o Informe COES 12, cerca de 500 casos desse pico de notificações, que se correlacionariam, segundo a análise desenvolvida pelo Dr. Plínio Bezerra, com o período da vacinação  contra o sarampo  em 2014 em Pernambuco (novembro/dezembro de 2014). Desta forma, conforme análise do referido doutor, considerar-se-ia o período de novembro/dezembro de 2014, da vacinação, acrescentando-se ao mesmo o período de 3 meses de intervalo recomendados antes da gravidez, e o período de 9 meses da própria gestação. Essa soma levaria para os meses de novembro e de dezembro de 2015, onde ocorreu o pico das notificações naquele Estado.

Do Informe COES 11 para o Informe COES 12, foram analisados apenas 17 novos casos de Pernambuco,  dos quais 14 confirmados  (82,35% -  muito acima da média atual de casos confirmados  de Pernambuco: 54,75%) e 3 descartados (17,64% - muito abaixo da média atual de casos descartados de Pernambuco: 45,25%). No Informe COES 11, dos 17 casos de microcefalia /alterações do sistema nervoso central, com infecção  concomitante  de Zika  vírus, 12 eram de Pernambuco. No Informe COES 12, dos 41 casos de microcefalia/alterações do sistema nervoso central, com infecção  concomitante  de Zika  vírus, 33 eram do Estado de Pernambuco, ou seja, 80,48%. A serem mantidos (para os próximos cerca de 500 casos de Pernambuco) os percentuais elevadíssimos, verificados  no Informe 12, de casos confirmados de microcefalia e de concomitante infecção  de zika vírus advindos do Estado de Pernambuco, haveria  um enorme aumento do número  global e percentual de casos de microcefalia confirmados e de concomitante infecção  de Zika vírus.

Tal situação, caso seja apresentada desvinculada dos necessários esclarecimentos, poderia gerar possível pânico na população,  que, por sua vez, poderia supor se tratassem de casos novos, de agora, desses dias do final de fevereiro de 2015 ou do próximo mês de março (tudo a depender da velocidade de análise das notificações de casos suspeitos advindos de Pernambuco). Poderia ser transmitida a falsa impressão de que a epidemia de microcefalia se alastra.  Na realidade, tais casos, como dito, se refeririam  a números  e percentuais que dizem respeito a Pernambuco, e seriam provenientes  de período de tempo correspondente ao pico das notificações de casos suspeitos de microcefalia advindas de Pernambuco (final de novembro /início  de dezembro de 2015), após  o que caíram muito as notificações respectivas.

A hipótese levantada pelo Dr. Plínio Bezerra que, ao menos aparentemente, parece ser corroborada pelos dados disponíveis atualmente, deveria, a nosso ver, respeitados os princípios constitucionais da publicidade e da adequada fundamentação, ser objeto de análise e de investigação aprofundada, de forma consoante com a recomendação da Organização Mundial da Saúde, no sentido de investigação sobre a determinação da relação de causalidade, não só quanto ao Zika vírus, mas igualmente quanto a outros fatores e cofatores.

Considerando ainda que a etiologia da microcefalia seja múltipla, não  devem ser descartadas a priori outras possíveis  causas, várias das quais têm sido divulgadas pela mídia como hipóteses a serem examinadas. Ademais, há de se ter em conta, ainda, a subnotificação de casos de microcefalia previamente existentes no Brasil, inclusive por questões de padronização da mensuração do perímetro cefálico.

Inobstante as observações acima, deve ser ressaltado que todas as medidas que vêm sendo preconizadas e efetivadas pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal, em esforço conjunto com a sociedade civil organizada e população em geral, de combate ao mosquito vetor, Aedes Egypti – transmissor da Dengue, Chicungunya e Zika vírus, dentre outros – e sua proliferação, bem como de precaução e cautela, devem continuar a ser apoiadas, sem prejuízo de medidas adicionais, com vistas a um saneamento básico estrutural adequado e mais abrangente, que dificulte a existência de ambiência para esse mosquito e/ou outros vetores. Todas essas medidas concorreriam para a busca de efetivação de direitos constitucionais básicos do povo brasileiro.

Em contrapartida, tentar instrumentalizar a crise atual para propor a morte de crianças acometidas por microcefalia no ventre materno por meio do aborto, como já chegou a ser aventado em nosso meio, parece-nos, a par de cruel e desrespeitador para com as famílias atingidas, uma proposta de indisfarçável conteúdo eugênico: matar alguém acometido por alguma doença grave, ou possivelmente grave, antes de seu nascimento.

Diante da penúria de trabalhos científicos, o momento é, pois, de investigação e prudência, inclusive para o estabelecimento de novas propostas terapêuticas. Haveria lugar, por exemplo, para a imunização passiva, com imunoglobulinas, para proporcionar proteção aos fetos de mães acometidos por uma virose no primeiro trimestre da gravidez, que seja comprovadamente lesiva para o sistema imunológico do feto? Uma recente revisão de vários trabalhos pela prestigiosa Cochrane Library – uma instituição internacionalmente reconhecida e dedicada à metodologia científica – em relação à imunização passiva após exposição de grávidas ao vírus da rubéola, examinando, em particular, o efeito sobre o desenvolvimento da Síndrome da Rubéola Congênita, não conseguiu garantir a sua real eficácia, apesar de existir pelo menos um trabalho que mostrava benefício com esta medida terapêutica. Foram recomendados novos estudos com melhores metodologias. Ou seja, se mesmo em uma doença como a Rubéola, em que a relação com a microcefalia está comprovada, ainda existem dúvidas quanto a vários aspectos importantes, porque agora se deixaria de lado a boa ciência, abdicando-se das corretas metodologias, passando-se a eleger condutas intempestivas e desrespeitosas para com o ser humano em uma afecção da qual pouco se sabe?

A dignidade da criatura humana, indissociavelmente relacionada a todo indivíduo humano desde o início de sua existência, com a concepção, não pode ser seccionada em razão de fases da existência, ou do lugar em que se dá ou do grau de saúde. Cabe ao Estado prevenir os riscos de agravos à saúde, conforme diretriz constitucional básica (vide art. 196, da Constituição Federal) e quando estes, por qualquer motivo, venham a ocorrer, buscar os meios para minimizá-los e superá-los e não buscar subterfúgios para matar o ser humano doente, na ilusão perversa de que com isso se acaba com a doença ou com o problema decorrente. Entendemos que uma leitura isenta e não preconceituosa da Constituição Federal, sem tendências discriminadoras inadmissíveis, deixa claro que os direitos são para todos, inclusive para aqueles que já existem e que se encontram em desenvolvimento no seio materno, e não apenas para os já nascidos, já registrados ou já crescidos.

*Grupo de trabalho da UJUCARJ sobre a crise de microcefalia no Brasil.
União dos juristas católicos do Rio de Janeiro

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