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Sumario del 29/10/2016

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Papa e Santa Sé



Papa a "La Civiltà Cattolica": Não se pode ser católicos e sectários

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Cidade do Vaticano (RV) - O Papa Francisco concedeu uma entrevista sobre sua viagem apostólica à Suécia, que se realizará de 31 deste mês a 1° de novembro, ao sacerdote jesuíta Pe. Ulf Jonsson, diretor da revista jesuíta sueca “Signum”, junto com o diretor da revista jesuíta italiana “La Civiltà Cattolica”, Pe. Antonio Spadaro. 

"Não se pode ser católico e sectários" disse o Pontífice na entrevista concedida na véspera da visita à Suécia para a comemoração ecumênica dos 500 anos da Reforma Luterana.

“Na entrevista o Papa falou, entre vários assuntos, sobre sua amizade com os luteranos desde quando era garoto e depois nos tempos de seu ministério episcopal. Além de explicar as modalidades da visita e seu significado, Francisco falou sobre o desafio espiritual para as Igrejas “envelhecidas” e sobre a importância da inquietude na sociedade marcada pelo bem-estar. A propósito do diálogo ecumênico sublinhou a importância de “caminhar juntos” para não permanecer fechados em perspectivas rígidas, porque nelas não há possibilidade de reforma.

Introdução do Pe. Jonsson

“Durante um encontro dos diretores das revistas culturais europeias da Companhia de Jesus, na metade de junho, manifestei ao Pe. Antonio Spadaro, diretor de La Civiltà Cattolica, um desejo que eu tinha no coração há muito tempo: entrevistar o Papa Francisco na véspera de sua viagem apostólica à Suécia, 31 de outubro de 2016, para participar da comemoração ecumênica dos 500 anos da Reforma Luterana. Pensei que uma entrevista fosse a melhor maneira de preparar o país para a mensagem que o Pontífice teria endereçado às pessoas durante sua visita. Como diretor da revista cultural dos jesuítas suecos Signum, pensei que este objetivo entrasse plenamente em nossa missão.

O ecumenismo, assim como o diálogo entre as religiões e também com os não fiéis, está muito no coração do Papa. Ele fez entender isso de muitas maneiras. Ele é um homem de reconciliação. Francisco está profundamente convencido de que os homens devem superar barreiras e cercas de qualquer tipo. Acredita no que define “cultura do encontro”. Isso para que todos possam colaborar para o bem comum da humanidade. Queria que esta visão de Francisco pudesse tocar a mente e o coração de muitos antes de sua chegada à Suécia: a entrevista teria sido o meio melhor para alcançar tal objetivo. Disse isso ao Pe. Spadaro com o qual prossegui a reflexão até agosto, quando juntos chegamos à conclusão de que era realmente oportuno apresentar ao Pontífice este pedido a fim de que pudesse decidir se realizá-la ou não. O Papa tomou tempo pra refletir sua oportunidade. No final, a resposta foi positiva e nos deum um encontro na Santa Marta na tarde do sábado, 24 de setembro passado.

Foi um dia realmente agradável por causa da temperatura e luminosidade do céu. Atravessando o trânsito de Roma de carro com Pe. Spadaro, estava ansioso, mas feliz. Chegamos a Santa Marta 15 minutos antes do previsto. Pensei que devíamos esperar e ao invés fomos logo convidados a subir ao andar onde o Papa tem o seus aposentos. Quando o elevador se abriu, vi um guarda-suíço que nos saudou com cortesia. Ouvi a voz do Papa falar cordialmente com outras pessoas em espanhol, mas não o vi. A um certo ponto ele apareceu com duas pessoas, conversando amigavelmente. Nos saudou com um sorriso indicando-nos de entrar em seus aposentos: ele voltaria logo.

Fiquei surpreso com esta simples e calorosa familiaridade o acolhimento. Foi-nos dito na portaria que o Papa teve um dia intenso, e eu pensei que estivesse cansado no final do dia. Ao invés disso, fiquei surpreso em vê-lo tão cheio de energia e relaxado.

O Papa entrou na sala e nos convidou a sentar onde preferíamos. Sentei-me numa poltrona e Pe. Spadaro diante de mim. O Papa se sentou no sofá no meio das duas poltronas. Apresentei-me no meu italiano pobre, mas suficiente para entender e dialogar com simplicidade. Depois de algumas brincadeiras do Papa acendemos os gravadores e iniciamos a conversa.

Pe. Spadaro traduziu do inglês algumas perguntas que eu queria fazer ao Papa e que eu tinha preparado, mas depois da conversa entre nós três fluiu naturalmente, numa atmosfera amigável e sem distâncias artificiais. Sobretudo porque foi claro e direto, sem rodeios e sem que a atmosfera típica dos encontros com os grandes líderes ou pessoas a respeito. Não tenho nenhuma dúvida de que o Papa Francisco ama conversar, comunicar com os outros. Às vezes toma tempo para refletir antes de responder, e suas respostas sempre transmitem uma sensação de envolvimento sério, mas não pesada ou triste. Na verdade, durante a nossa visita, ele deu várias vezes sinais de seu humorismo.

Entrevista

Santo Padre, em 31 de outubro o senhor visitará Lund e Malmö para participar da Comemoração Ecumênica dos 500 anos da Reforma, organizada pela Federação Luterana Mundial e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Quais são as suas esperanças e suas expectativas para este evento histórico?

“Digo somente uma palavra: aproximar-se. A minha esperança e expectativa são as de me aproximar mais de meus irmãos e irmãs. A proximidade faz bem a todos. A distância ao invés nos faz adoecer. Quando nos distanciamos, nos fechamos dentro de nós mesmos e nos tornamos nômades, incapazes de nos encontrar. Nos deixamos levar pelo medo. É preciso aprender a se transcender para encontrar os outros. Se não o fazemos nós cristãos nos adoecemos de divisão. A minha expectativa é a de conseguir fazer um passo de proximidade, de estar próximo aos meus irmãos e irmãs que vivem na Suécia.”

Na Argentina os luteranos formam uma comunidade restrita. O senhor teve modo de se encontrar com eles no passado?

“Sim, bastante. Lembro-me da primeira vez que fui a uma igreja luterana: foi precisamente em sua sede na Argentina, na Calle Esmeralda, Buenos Aires. Eu tinha 17 anos. Lembro-me bem daquele  dia. Casou-se um amigo meu de trabalho, Axel Bachmann. Ele era o tio da teóloga luterana Mercedes Garcia Bachmann. E a mãe da Mercedes, Ingrid, trabalhava no laboratório onde eu trabalhava. Esta foi a primeira vez que participei de uma celebração luterana. A segunda vez, foi uma experiência mais forte. Nós jesuítas temos a Faculdade de Teologia em San Miguel, onde ensinei. Ali perto, a menos de 10 km de distância, havia a Faculdade de Teologia Luterana. O reitor era um húngaro, Leskó Béla, realmente um bom homem. Com ele tinha contatos muito cordiais. Eu era professor e tinha a cátedra de Teologia espiritual. Convidei o professor de Teologia espiritual daquela Faculdade, um sueco, Anders Ruuth, para dar junto comigo aulas de espiritualidade. Lembro-me que aquele era um momento muito difícil para a minha alma. Eu tinha muita confiança nele e abri o meu coração. Ele me ajudou muito naquele momento. Depois foi enviado ao Brasil, conhecia bem também o português, e depois voltou para a Suécia. Ali publicou as suas teses de habilitação sobre “A Igreja universal do Reino de Deus”,        que surgiu no Brasil no final dos anos setenta. Era uma tese crítica. Ele a escreveu em sueco, mas tinha um capítulo em inglês. Ele me enviou e eu li aquele capítulo em inglês: era uma pérola. Depois, passou o tempo. Enquanto isso, me tornei bispo auxiliar de Buenos Aires. Um dia foi me visitar na casa episcopal o então arcebispo primaz de Uppsala. O Cardeal Quarracino não estava. Ele me convidou para ir à missa deles na Calle Azopardo, na Iglesia Nórdica de Buenos Aires, que antes era chamada de «Igreja sueca». A ele eu falei sobre Anders Ruuth, que depois voltou mais uma vez a Argentina para celebrar um matrimônio. Naquela ocasião nos revimos, e foi a última: um de seus dois filhos, o músico, o outro era médico, um dia me telefonou para dizer que ele tinha morrido.

Outro capítulo da minha relação com os luteranos diz respeito à Igreja da Dinamarca. Tive um bom relacionamento com o pastor de então, Albert Andersen, que agora se encontra nos Estados Unidos. Ele me convidou duas vezes para fazer uma pregação. A primeira era num contexto litúrgico. Naquela ocasião foi muito delicado: para evitar recriar constrangimento acerca da participação na comunhão, naquele dia não celebrou a missa, mas um batizado. Sucessivamente, me convidou para fazer uma conferencia para os jovens. Lembro-me que com ele tive uma discussão muito forte à distância, quando ele estava já nos Estados Unidos. O pastor me repreendeu muito por causa do que eu disse sobre uma lei relativa aos problemas religiosos na Argentina. Mas digo que me repreendeu com honestidade e sinceridade, como um amigo verdadeiro. Quando voltou a Buenos Aires, fui pedir-lhe desculpas porque de fato a maneira como eu me expressei naquele caso foi um pouco ofensiva. Depois, eu tive uma grande proximidade com o Pastor David Calvo, argentino, da Igreja Evangélica Luterana Unida. Ele também era uma pessoa boa.

Lembro-me também que para o “Dia da Bíblia” que em Buenos Aires se celebrava no final de setembro, voltei à primeira igreja em que fui quando jovem, na Calle Esmeralda. Ali eu encontrei Mercedes García Bachmann. Tivemos uma conversa. Aquele foi o último encontro institucional que tive com os luteranos quando era arcebispo de Buenos Aires. Depois, eu continuei a me relacionar com amigos luteranos no âmbito pessoal. Mas o homem que fez muito bem à minha vida foi Anders Ruuth: penso nele com muito afeto e reconhecimento. Quando veio me encontrar aqui a  Arcebispa primaz da Igreja da Suécia, falamos sobre aquela amizade entre nós dois. Recordo-me bem quando a Arcebispa Antje Jackelén veio aqui ao Vaticano, em maio de 2015, em visita oficial: fez um grande discurso. Eu a encontrei sucessivamente também por ocasião da canonização de Maria Elisabeth Hesselblad. Então eu pude saudar também o marido: são pessoas realmente amáveis. Depois, como Papa fui pregar na Igreja Luterana de Roma. Fiquei muito impressionado com as perguntas que me foram feitas então: a do menino e de uma senhora sobre a intercomunhão. Perguntas bonitas e profundas. O pastor daquela igreja é realmente bom!

Nos diálogos ecumênicos as diferentes comunidades deveriam tentar se enriquecer reciprocamente com o melhor de suas tradições. O que a Igreja Católica poderia aprender da tradição luterana?

Penso em duas palavras: «reforma» e «Escritura». Vou me explicar. A primeira é a palavra «reforma». No início, o de Lutero foi um gesto de reforma num momento difícil para a Igreja. Lutero queria curar uma situação complexa. Depois, este gesto, também por causa de situações políticas, pensemos também na cuius regio eius religio, se tornou um “estado” de separação, e não um processo de reforma de toda a Igreja, que era fundamental, porque a Igreja é semper reformanda. A segunda palavra é “Escritura”, a Palavra de Deus. Lutero fez um grande passo para colocar a Palavra de Deus nas mãos do povo. Reforma e Escritura são as duas coisas fundamentais que podemos aprofundar, olhando a tradição luterana. Penso nas Congregações Gerais antes do Conclave e quanto o pedido de uma reforma tenha sido vivo e presente em nossas discussões.”

Somente uma vez ante do senhor, um Papa visitou a Suécia, Joao Paulo II, em 1989. Aquele era um tempo de entusiasmo ecumênico e desejo profundo de unidade entre católicos e luteranos. Desde então, o movimento ecumênico parece ter perdido o vigor e novos obstáculos surgiram. Como deveria ser geridos estes obstáculos? Quais são, a seu ver, os meios melhores para promover a unidade dos cristãos?

Claramente cabe aos teólogos continuar a dialogar e estudar os problemas: sobre isso não tenho dúvidas. O diálogo teológico deve prosseguir, porque é um caminho a ser percorrido. Penso nos resultados que nesta estrada foram alcançados com o grande documento ecumênico sobre a justificação: foi um grande passo positivo. Certo, depois deste passo imagino que não será fácil ir adiante por causa das várias capacidades de compreender algumas questões teológicas. Perguntei ao Patriarca Bartolomeu se era verdade aquilo que se fala do Patriarca Atenágoras, ou seja, que teria dito a Paulo VI: “Nós vamos em frente e coloquemos os teólogos numa ilha para discutirem entre eles”. Me disse que é uma piada verdadeira. Mas sim, o diálogo teológico deve continuar, mesmo se não será fácil.

Pessoalmente, acredito que se deve mover o entusiasmo para a oração comum e as obras de misericórdia, ou seja, o trabalho feito em conjunto no sentido de ajudar os doentes, os pobres, os encarcerados. Fazer algo juntos é uma forma elevada e eficaz de diálogo. Penso também na educação. É importante trabalhar juntos e não maneira sectária. Devemos ter claro um critério em qualquer caso: fazer proselitismo no campo eclesial é pecado. Bento XVI nos disse que a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração. O proselitismo é um comportamento pecaminoso. Seria como transformar a Igreja numa organização. Falar, rezar e trabalhar juntos: este é o caminho que devemos fazer. Veja, na unidade aquele que não erra nunca é o inimigo, o demônio. Quando os cristãos são perseguidos e mortos, são por serem cristãos e não porque são luteranos, calvinistas, anglicanos, católicos ou ortodoxos. Existe um ecumenismo de sangue.

Recordo-me de um episódio que vivi com o pároco da paróquia de Sankt Joseph em Wandsbek, Hamburgo. Ele levava adiante a causa dos mártires guilhotinados por Hitler, porque ensinavam o catecismo. Foram guilhotinados um atrás do outro. Depois dos dois primeiros, que eram católicos, foi morto um pastor luterano condenado pelo mesmo motivo. O sangue dos três se misturou. O pároco me disse que para ele era impossível continuar a causa de beatificação dos dois católicos sem inserir o luterano; o sangue deles foi misturado! Mas lembro-me também da homilia do Papa Paulo VI em Uganda, em 1964, que mencionava juntos, unidos, os mártires católicos e anglicanos.

Tive este pensamento quando eu também visitei Uganda. Isto acontece também em nossos dias: os ortodoxos, os mártires coptas mortos na Líbia. É o ecumenismo de sangue. Portanto, rezar juntos, trabalhar juntos e compreender o ecumenismo de sangue.

Uma das causas maiores de inquietude de nosso tempo é a difusão do terrorismo revestido de termos religiosos. O encontro de Assis acentuou também a importância do diálogo inter-religioso. Como o senhor viveu isso?

Havia todas as religiões que têm contato com Santo Egídio. Encontrei aqueles que Santo Egídio contatou: eu não escolhi quem encontrar. Mas eram muitos, e o encontro foi muito respeitoso e sem sincretismo. Todos juntos falamos de paz e pedimos a paz. Dissemos juntos palavras fortes para a paz que as religiões realmente querem. Não se pode fazer guerra em nome da religião, de Deus: é uma blasfêmia, é satânico. Hoje, recebi cerca de 400 pessoas que estavam em Nice e saudei as vítimas, os feridos, pessoas que perderam esposas ou maridos ou filhos. Aquele louco que cometeu a tragédia a fez pensando de fazer em nome de Deus. Pobre homem! Era um desiquilibrado! Com caridade podemos dizer que era um desiquilibrado que procurou usar uma justificação em nome e Deus. Por isso, o encontro em Assis é muito importante. “

 Mas o senhor recentemente falou também de outra forma de terrorismo, o das fofocas. Em que sentido e como ele pode ser vencido?

Sim, existe o terrorismo interno e subterrâneo que é um vício difícil de extirpar. Descrevo o vício das murmurações e das fofocas como uma forma de terrorismo: é uma forma de violência profunda que todos temos à disposição na alma e que requer uma conversão profunda. O problema desse terrorismo é que todos podemos colocá-lo em prática. Toda pessoa é capaz de se tornar terrorista usando simplesmente a língua. Não falo de brigas que se fazem abertamente, como as guerras. Falo de um terrorismo furtivo, escondido, que se faz jogando as palavras como "bombas" e que faz muito mal. A raiz desse terrorismo está no pecado original, e é uma forma de crime. É uma forma de ganhar espaço para si destruindo o outro. É necessário, portanto, uma profunda conversão do coração para vencer esta tentação, e é preciso se examinar muito neste ponto de vista. A espada mata muitas pessoas, porém mata muito mais a língua, diz o apóstolo Tiago no terceiro capítulo de sua carta. A língua é um pequeno membro, mas pode desenvolver um fogo do mal e incendiar toda a nossa vida. A língua pode se encher de veneno mortal. Este terrorismo é difícil de domar.

A religião pode ser uma bênção, mas também uma maldição. Os meios de comunicação muitas vezes trazem notícias de conflitos entre grupos religiosos no mundo. Algumas afirmam que o mundo seria mais pacífico se não houvesse religião. O que responde a esta crítica?

As idolatrias que estão na base de uma religião, não a religião! Existem idolatrias ligadas à religião: a idolatria do dinheiro, das inimizades, do espaço superior ao tempo, da concupiscência da territorialidade do espaço. Existe uma idolatria da conquista do espaço, do domínio, que ataca as religiões como um vírus maligno. A idolatria é uma religião falsa, é uma religiosidade errada. Eu a chamo “uma transcendência imanente”, ou seja, uma contradição. Ao invés, as religiões verdadeiras são o desenvolvimento da capacidade que tem um homem de se transcender rumo ao absoluto. O fenômeno religioso é transcendente e tem a ver com a verdade, a beleza, a bondade e a unidade. Se não há esta abertura, não há transcendência, não há religião verdadeira, existe idolatria. A abertura à transcendência não pode absolutamente ser causa de terrorismo, porque esta abertura está sempre unida à busca da verdade, da beleza, da bondade e da unidade.

O senhor muitas vezes falou em termos muito claros sobre situação terrível dos cristãos em algumas áreas do Oriente Médio. Existe ainda esperança por um desenvolvimento mais pacífico e humano para os cristãos naquela área?

Acredito que o Senhor não deixará o seu povo a si mesmo, não o abandonará. Quando lemos sobres as provações duras do povo de Israel na Bíblia fazemos memória as provações dos mártires, constatamos como o Senhor sempre veio em auxílio ao seu povo. Recordamos no Antigo Testamento a morte dos sete filhos com a sua mãe no Livro dos Macabeus ou o martírio de Eleazar. Certamente, o martírio é uma das formas da vida cristã. Recordamos São Policarpo e a carta à Igreja de Esmirna que nos fala sobre as circunstâncias de sua prisão e sua morte. Sim, neste momento o Oriente Médio é a terra dos mártires. Podemos sem dúvida falar de uma Síria mártir e martirizada. Quero citar uma recordação pessoa que ficou no coração: em Lesbos encontrei um pai com duas crianças. Ele me disse que era muito apaixonado por sua esposa. Ele era muçulmano e ela cristã. Quando chegaram os terroristas, quiseram que ela tirasse a cruz, mas ela não quis e eles a degolaram diante de seu marido e seus filhos. Ele me continuou dizendo: “Eu a amo tanto, a amo tanto”. Sim, ela é uma mártir, mas o cristão sabe que existe esperança. O sangue dos mártires é a semente dos cristãos: sabemos desde sempre.

O senhor é o primeiro Papa não europeu há mais de 1.200 anos, e muitas vezes salientou a vida da Igreja em regiões consideradas “periféricas” do mundo. Onde, segundo o senhor, a Igreja católica terá as suas comunidades mais vivas nos próximos 20 anos? E de que modo as Igrejas na Europa poderão contribuir para o catolicismo do futuro?

Esta é uma pergunta ligada ao espaço, à geografia. Eu tenho alergia de falar de espaços, mas digo sempre que das periferias se veem melhor as coisas do que do centro. A vivacidade das comunidades eclesiais não depende do espaço, da geografia, mas do espírito. É verdade que as Igrejas jovens têm um espírito mais fresco, e do outro lado, existem as Igrejas envelhecidas, Igrejas um pouco adormecidas, que parecem ser interessadas somente em conservar o seu espaço. Nestes casos, não digo que falta o espírito: existe sim, mas está fechado numa estrutura, numa maneira rígida, temorosa de perder o espaço. Nas Igrejas de alguns países se vê próprio que falta o frescor. Neste sentido, o frescor das periferias dá mais espaço ao espírito. É preciso evitar os efeitos de um mal envelhecimento das Igrejas. Faz bem reler o capítulo terceiro do Profeta Joel, ali onde diz que os idosos terão sonhos e que os jovens terão visões. Nos sonhos dos idosos existe a possibilidade de que os nossos jovens tenham novas visões, tenham novamente um futuro. Ao invés, as Igrejas às vezes são fechadas em programas, em programações. Eu admito: sei que são necessários, mas eu faço muita fadiga a colocar muita esperança nos organogramas. O espírito está pronto a impulsionar, a ir adiante. E o espírito se encontra na capacidade de sonhar e na capacidade de profetizar. Isto para mim é um desafio para toda a Igreja. E a união entre idosos e jovens é para mim o desafio do momento para a Igreja, o desafio para a sua capacidade de frescor. Por isso, em Cracóvia durante a Jornada Mundial da Juventude, recomendei aos jovens de conversar com os avós. A Igreja jovem rejuvenesce mais quando os jovens conversam com os idosos e quando os idosos sabem sonhar coisas grandes, porque isso faz com que os jovens profetizem. Se os jovens não profetizam falta respiro para a Igreja.

A sua visita à Suécia tocará um dos países mais secularizados no mundo. Boa parte de sua população não acredita em Deus, e a religião tem um papel um pouco modesto na vida pública e na sociedade. Segundo o Senhor, o que perde uma pessoa que não acredita em Deus?

“Não se trata de perder alguma coisa. Trata-se de não desenvolver  adequadamente uma capacidade de transcendência. O caminho da transcendência dá lugar a Deus, e nisto são importantes também os pequenos passos, até mesmo o do ateu a ser agnóstico. O problema para mim é quando se fecha e se considera a própria vida perfeita em si mesma, portanto, fechada em si mesma, sem necessidade de uma transcendência radical. Mas para abrir aos outros a transcendência não é necessário fazer muitos discursos e palavras. Quem vive a transcendência é visível: é um testemunho vivo. No almoço que tive em Cracóvia com alguns jovens, um deles me perguntou: “O que deve dizer a um mio amigo que não acredita em Deus? Como faço para convertê-lo? Eu lhe respondi: “A última coisa que deve fazer é dizer alguma coisa. Aja! Vivi! Depois, vendo a sua vida, o seu testemunho, talvez o outro irá perguntar porque você vive assim. Estou convencido de que quem não crer ou não procura Deus talvez não sentiu a inquietude de um testemunho. Isso está muito ligado ao bem-estar. A inquietude se encontra dificilmente no bem-estar. Por isso, acredito que contra o ateísmo, ou seja, contra o fechamento à transcendência, valem realmente, somente a oração e o testemunho.”

Os católicos na Suécia são uma pequena minoria, e na maior parte composta por imigrantes de várias nações do mundo. O senhor se encontrará com alguns deles celebrando a Missa em Malmö em 1° de Novembro. Como vê o papel dos católicos numa cultura como a sueca?

“Vejo uma convivência saudável, onde cada um pode viver sua fé e expressar o seu testemunho, vivendo num espírito aberto e ecumênico. Não se pode ser católicos e sectários. Devemos nos esforçar para estar com os outros. "Católico" e "sectário" são duas palavras que se contradizem. É por isso que no início eu não previa celebrar uma missa para os católicos nesta viagem: Eu queria insistir num testemunho ecumênico. Depois eu refleti bem sobre o meu papel de pastor de um rebanho católico que chegará também dos países vizinhos, como a Noruega e a Dinamarca. Então, respondendo ao pedido fervoroso da comunidade católica, decidi celebrar uma missa, aumentando a viagem de um dia. Na verdade eu queria que a missa não fosse celebrada no mesmo dia e não no mesmo lugar do encontro ecumênico para evitar confundir os planos. O encontro ecumênico deve ser preservado em seu profundo significado, segundo um espírito de unidade, que é o meu. Isto criou problemas de organização, eu sei, porque eu vou estarei na Suécia também no Dia de Todos os Santos, que aqui em Roma é importante. Mas, a fim de evitar mal-entendidos, eu quis que fosse assim.”

O senhor é um jesuíta. Desde 1879, os jesuítas desempenharam suas atividades na Suécia nas paróquias, com exercícios espirituais, com a revista «Signum», e nos últimos 15 anos, graças ao Instituto universitário «Newman». Quais compromissos e quais valores deveria caracterizar o apostolado dos jesuítas hoje neste país?

Acredito que a primeira tarefa dos jesuítas na Suécia seja a de favorecer de toda forma o diálogo com aqueles que vivem na sociedade secularizada e com os não crentes: falar, partilhar, compreender e estar próximo. Depois, claramente é preciso favorecer o diálogo ecumênico. O modelo para os jesuítas suecos deve ser São Pedro Favre, que estava sempre a caminho e que foi guiado por um espírito bom, aberto. Os jesuítas não têm uma estrutura quieta. É preciso ter o coração inquieto e ter estruturas, sim, mas inquietas.

Quem é Jesus para Jorge Mario Bergoglio?

Jesus para mim é Aquele que me olhou com misericórdia e me salvou. A minha relação com ele tem sempre este princípio e fundamento. Jesus deu sentido à minha vida aqui na terra, e esperança por uma vida futura. Com a misericórdia me olhou, me pegou, me colocou no caminho... E me deu uma graça importante: a grana da vergonha. A minha vida espiritual está toda contida no capítulo 16 de Ezequiel. Especialmente nos versículos finais, quando o Senhor revela que iria estabelecer a sua aliança com Israel dizendo-lhe: “Saberás que eu sou o Senhor, a fim de que te lembres e te cubras de vergonha, e na tua humilhação já não tenhas disposição de falar, quando eu tiver perdoado tudo quanto fizeste”. A vergonha é positiva: nos faz agir, mas nos faz entender qual é o nosso lugar, quem somos, impedindo todo orgulho e vaidade.

Uma palavra final, Santo Padre, sobre esta viagem à Suécia

O que me vem naturalmente para acrescentar agora é simples: ir, caminhar juntos! Não permanecer fechados em perspectivas rígidas, porque nelas não há possibilidade de reforma.

 * * *

O Papa, Pe. Spadaro e eu passamos juntos cerca de uma hora e meia. No final, Francisco nos acompanhou até o elevador. Ele nos recomendou de rezar por ele. As portas se fecharam enquanto ele nos saudada com a mão e com um sorriso radiante que nunca me esquecerei.

Do lado de fora já estava escuro. A cúpula de São Pedro, iluminada, revelava o seu esplendor enquanto entrávamos no carro para voltar em tempo para o jantar na comunidade de La Civiltà Cattolica.

 

(MJ)

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Movimentos Populares se reúnem no Vaticano para terceira edição

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Cidade do Vaticano (RV) – Realizou-se na sexta-feira (28/10), na Sala de Imprensa da Santa Sé, a coletiva de apresentação do III Encontro Mundial dos Movimentos Populares, que terá lugar no Vaticano de 2 a 5 de novembro e será coroado com uma audiência com o Papa Francisco. 

Presidiram a coletiva de imprensa Dom Silvano Maria Tomasi, Secretário-delegado do Pontifício Conselho da Justiça e da Paz, e Juan Grabois, consultor do mesmo organismo e cofundador do Movimento dos Trabalhadores Excluídos e da Confederação da Economia Popular.

Os Encontros Mundiais dos Movimentos Populares são um projeto lançado pelo Papa  para dar voz aos que trabalham com as populações carentes do planeta. O evento reunirá cerca de uma centena de Movimentos e Organizações populares do mundo inteiro, além de dezenas de Bispos e agentes de vários órgãos da Igreja Católica.

Na coletiva, Dom Tomasi realçou a intenção do Papa em “sensibilizar as pessoas sobre a situação dos que vivem nas periferias da sociedade”. “Francisco – recordou – fala de um sistema político para integrar os excluídos, mas demonstra também a mesma sensibilidade para com tais questões, como as que acompanhava quando percorria as ruas de Buenos Aires”.

Por sua vez, Juan Grabois, responsável do Comitê organizador do Encontro, explicou que “esta terceira edição pretende ajudar a “definir propostas de ação” no campo social: o primeiro encontro, em 2014, no Vaticano, era mais orientado ao conhecimento da realidade; o segundo, em 2015, na Bolívia, apostou na reflexão acerca dos desafios que preocupam os movimentos populares.

Para o responsável do Comitê, reunir os Movimentos Populares mundiais foi a forma escolhida pelo Papa para “trazer à tona da mídia mundial uma realidade que sofre em silêncio”. “Temos uma quantidade enorme de Organizações, que trabalham com os mais pobres, que não se resignam com a miséria em que muitos vivem”.

Juan Grabois frisou, por fim, a urgência de “os pobres deixarem de ser vítimas de políticas sociais definidas, sem a sua participação, para se tornar protagonistas de um processo de mudança, que lhes permite o acesso aos direitos mais sagrados como a terra, teto e trabalho”.

Movimentos brasileiros

Do Brasil, participam integrantes dos seguintes movimentos: Conselho de Entidades Negras (Conem), Central dos Movimentos Populares (CMP) , Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), União Nacional Por Moradia Popular (UNMP).

(MT/Ecclesia)

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Igreja no Mundo



Reabertura do túmulo de Jesus, em Jerusalém, para restauração

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Jerusalém (RV) – Foi aberto em Jerusalém, pela primeira vez, em cinco séculos, a laje de mármore que cobre o túmulo onde o corpo de Jesus foi depositado após a sua morte.

A notícia foi veiculada pela “National Geographic” que acompanha a restauração da estrutura, construída no século XIX, para proteger o espaço, aberto aos visitantes.

O Patriarca Ortodoxo de Jerusalém e a Custódia da Terra Santa anunciaram, no início do ano, que o túmulo de Cristo iria ser restaurado após as solenidades da Páscoa ortodoxa, em 1° de maio.

Um estudo científico, previamente realizado, confirmou a existência de sérios problemas de humidade ”ligados à condensação do respiro dos visitantes” e também de oxidação provocada pela fumaça das velas.

A restauração é possível graças ao acordo entre as três principais confissões - Ortodoxa-grega, Latina e Arménia - responsáveis pela Basílica do Santo Sepulcro.

As obras foram confiadas a uma equipe grega, guiada pela professora Antonia Moropoulo, da Universidade Técnica Nacional de Atenas. (MT/Ecclesia)

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Formação



Lutero, uma perspectiva ecumênica (de Walter Kasper)

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Cidade do Vaticano (RV) - Em maio, foi lançado na Itália o texto reelaborado e ampliado de uma conferência do Cardeal Walter Kasper sobre Lutero, proferida em 18 de janeiro passado, no início da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, na Humboldt-Universität de Berlim, a convite da Fundação Guardini (Walter Kasper, Martin Lutero. Una prospettiva ecumenica, Brescia, Queriniana, 2016 ≪Giornale di teologia≫ 387, pagine 75, euro 8).

Este artigo que repropomos agora foi publicado pelo L'Osservatore Romano, em italiano, em 18 de maio de 2016:

Dedicado à irmã Ingeborg, falecida em 28 de janeiro, e lançado também na Alemanha (Patmos Verlag) e na Espanha (Sal Terrae), o pequeno livro - do qual trazemos a conclusão - é uma síntese inteligente e ecumenicamente relevante.

No prólogo o autor, que de 2001 a 2010 presidiu o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, reconhece que "para os católicos, Lutero foi por muito tempo simplesmente um herético, aquele que carrega a culpa da divisão da Igreja ocidental, com todas as suas consequências negativas, até hoje".

Mas, "aqueles tempos passaram" e a historiografia católica do século XX "deu uma importante reviravolta na compreensão" do reformador, permitindo reconhecer então "a instância genuinamente religiosa" e favorecendo um juízo mais correto em relação à culpa na divisão entre as Igrejas e, no signo do ecumenismo, a recepção de alguns seus pontos de vista e, não última, de seus cantos litúrgicos. Os últimos Papas compartilharam este modo de ver", como "Bento XVI, em 23 de setembro de 2011, durante a sua visita na Sala do Capítulo do ex-convento dos agostinianos em Erfurt, onde Lutero pronunciou os votos religiosos".

E se "para alguns Lutero já tornou-se quase um padre comum da Igreja - escreve o Cardeal Kasper - as numerosas tomadas de posição surgidas para 2017 na recorrência dos 500 anos da Reforma protestante não se afastam muito disto. Todas levam em consideração a mudança ocorrida na percepção ecumênica de Lutero, mas reconhecem também que entre as Igrejas ainda permanecem em suspenso questões controversas. Assim, muitos cristãos esperam justamente, que a celebração em 2017, dos 500 anos da Reforma protestante, nos faça dar, no plano ecumênico, um passo de aproximação ao objetivo da unidade".

O Cardeal observa então, que "Lutero mesmo não foi uma pessoa ecumênica. Perto do fim de sua vida, ele não considerou mais possível uma reunificação com Roma. O fato de que hoje cristãos católicos cantem nas suas celebrações os seus hinos religiosos, certamente não poderia ser imaginado por ele, tanto menos poderia ter imaginado o nosso diálogo com os judeus, sobre os quais se expressou com desprezo, um modo para nós muito embaraçante, e nem mesmo o nosso diálogo com os muçulmanos, a respeito dos quais ele, nos escritos contra os turcos, não demostrou de fato sentimento benévolos, mas nem mesmo o nosso diálogo com os anabatistas (hoje os batistas e os menonitas), que na época eram perseguidos quer pelos evangélicos como pelos católicos".

Mas existe ainda mais, observa o Cardeal Kasper: "Para nós, a estranheza de Lutero é ainda mais profunda. Para muitos, também para muitos cristãos praticantes de ambas as Igrejas, as questões levantadas por Lutero não são absolutamente mais compreensíveis. Isto vale para muito católicos em relação à Indulgência, para muitos evangélicos em relação à justificação do pecador. Em um mundo no qual Deus torna-se tantas vezes um estranho, ambas as questões tornaram-se para muitos contemporâneos discursos incompreensíveis. Para muitos, a própria palavra "Igreja" tornou-se totalmente - ainda mais do quanto o fosse na época para Lutero - uma "palavra obscura e pouco inteligível".

Portanto, antes de falar da atualidade do reformador, é necessário "enquadrá-lo na transformada situação de ambas as Igrejas e do ecumenismo" e "tomar consciência da estranheza do mundo em que Lutero viveu, e também da estranheza de sua mensagem". Mas precisamente esta estranheza representa hoje, segundo o teólogo, a atualidade ecumênica de Lutero.

Uma perspectiva ecumênica, de Walter Kasper

Lutero não era um homem ecumênico no sentido atual do termo. Tanto menos o eram os seus adversários. Ambos eram inclinados à polêmica e à controvérsia. Isto levou à restrições e enrijecimentos de ambas as partes. As questões exacerbaram-se em seguida, da questão da justiça revelada no Evangelho e da misericórdia de Deus, até a questão da Igreja, especialmente a questão do Papa. Como o Papa e os bispos se recusavam a prosseguir a reforma, Lutero, com base na sua compreensão do sacerdócio universal, viu-se obrigado a contentar-se com um ordenamento de emergência. Ele, porém, continuou a confiar no fato de que a verdade do Evangelho se imporia por si só e assim deixou a porta fundamental aberta para um possível futuro entendimento.

Também pelo lado católico, no início do século XVI, permaneciam abertas muitas portas. Não havia uma eclesiologia católica harmonicamente estruturada, mas unicamente das abordagens, que eram mais uma doutrina sobre a hierarquia do que uma eclesiologia verdadeira e própria. A elaboração sistemática da eclesiologia terá lugar somente na teologia com controvérsia como antítese à polêmica da Reforma contra o papado. O papado torna-se assim, em um modo até então desconhecido, a marca de identidade do catolicismo. As respectivas teses e antíteses confessionais se condicionaram e bloquearam mutuamente.

Somente o recente ecumenismo reabriu um pouco mais a porta. No lugar da controvérsia entrou o diálogo. Diálogo não significa lançar no mar aquilo que até agora se considerou como verdade. Podem conduzir um autêntico diálogo somente pessoas que, mesmo tendo cada uma o seu ponto de vista, estão porém disponíveis em escutar-se reciprocamente e a aprender umas das outras. Tal diálogo não é uma questão puramente intelectual; ele é uma troca de dons. Isto pressupõe reconhecer quer a verdade do outro, quer as próprias fraquezas, e a vontade de afirmar a própria verdade em um modo que não vá ferir o outro, não polemicamente, mas de dizer a verdade no amor (Efésios 4,15), subtraindo às controvérsias o veneno da divisão e transformando-as em um dom, de forma que ambas as partes cresçam na catolicidade entendida no sentido original e cresçam juntas, reconheçam maiormente a misericórdia de Deus em Jesus Cristo e juntas deem testemunho diante do mundo.

Este é o caminho percorrido desde o último Concílio, que para isto traçou um caminhou que não pode ser invertido - um caminho, não uma solução bonita e pronta! A acolhida do Concílio Vaticano II, mesmo cinquenta anos após a sua conclusão, ainda não chegou ao fim. O Papa Francisco inaugurou um nova fase em tal processo de recepção. Ele sublinha a eclesiologia do povo de Deus, o povo de Deus a caminho, o sentido da fé do povo de Deus, a estrutura sinodal da Igreja e para a compreensão da unidade coloca em jogo uma interessante nova abordagem.

Descreve a unidade ecumênica não mais com a imagem de círculos concêntricos ao redor do centro romano, mas com a imagem do poliedro, isto é, de uma realidade multifacetada, não um enigma quebra-cabeça montado de fora, mas um todo e, em se tratando de uma pedra preciosa, um todo que reflete a luz que incide sobre ele de forma maravilhosamente múltipla. Conectando-se a Oscar Cullman, o Papa Francisco retoma o conceito da diversidade reconciliada. Na Exortação Apostólica Evangelii gaudium, o seu "escrito programático", ele parte do Evangelho e convida a uma conversão não somente de cada cristão, mas também do episcopado e do primado.

Assim, se subentende, no centro é colocada a originária fundamental de Lutero, ou seja, o Evangelho da graça e da misericórdia e o apelo à conversão e à renovação.

Não somente a história da recepção do último Concílio, mas também a história da recepção de Lutero não se concluiu de fato, nem mesmo nas Igrejas Evangélicas. Existe também um esquecimento e uma estranheza de Lutero pelo lado evangélico. Caso se pense na doutrina relativa à Ceia e à piedade eucarística. Ela mostra que Lutero, contra Zwingli, permaneceu decididamente fiel a uma compreensão realística da Eucaristia e que não pode estar bloqueada em modo rígido no esquema de uma religião da pura interioridade. Pensemos também na compreensão do ministério de Lutero da maturidade, a sua fundamental abertura em relação ao episcopado histórico, como também a sua afirmação de que ele teria levado na palma da mão e beijado os pés de um Papa que tivesse acolhido e reconhecido o seu evangelho. Não é por isto possível referir-se somente às afirmações polêmicas do primeiro Lutero. Devemos e podemos, isto sim, de novo retomar também a questão, fundamental para o processo do ecumenismo, da compreensão e da relação entre Igreja, ministério e Eucaristia.

A este respeito, poderia representar um passo em frente o fato de levar a sério os aspectos místicos de Lutero.

Eles não se encontram somente no jovem Lutero, mas também no mais simpático de seus mais importantes escritos reformadores, Von der Freiheit eines Christenmenschen. Isto poderia abrir possibilidades de diálogo. De fato, unidade e reconciliação não acontecem somente na cabeça, mas em primeiro lugar nos corações, na piedade pessoal, na vida cotidiana e no encontro entre as pessoas.

Dito de modo mais acadêmico: temos necessidade de um ecumenismo acolhedor, capaz de aprender uns dos outros. Somente por meio disto a Igreja Católica pode realizar concretamente e em plenitude a sua catolicidade; vice-versa, também a original instância de Lutero, exigência basicamente ecumênica, pode encontrar plena satisfação somente por meio de um ecumenismo acolhedor. Não temos ainda nenhuma solução comum, mas se abre uma possível perspectiva comum e uma via comum para o futuro. O caminho rumo à plena unidade está aberto, mesmo que este possa ser longo e cheio de obstáculos.

A contribuição mais importante de Martinho Lutero para levar em frente o ecumenismo não está nas abordagens eclesiológicas nele remanescentes, ainda abertas, mas na sua orientação original ao Evangelho da graça e da misericórdia de Deus e no apelo à conversão. A mensagem da misericórdia de Deus era a resposta ao seu pessoal problema e necessidade, como também aos questionamentos de seu tempo; isto é também hoje a resposta aos sinais dos tempos e às urgentes necessidades de muitas pessoas. Somente a misericórdia de Deus pode curar as profundas feridas que a divisão provocou ao corpo de Cristo que é a Igreja. Ela pode transformar e renovar os nossos corações, para que sejamos disponíveis a converter-nos, a usar entre nós a misericórdia, a perdoar-nos reciprocamente as injustiças passadas, a reconciliar-nos e a colocarmo-nos a caminho para encontrarmos juntos, com paciência, e passo por passo, no caminho rumo à unidade na diversidade reconciliada.

Neste sentido, gostaria de retomar uma frase que foi colocada na boca de Martinho Lutero (...): “Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira”. Em 1º de novembro de 2009 pude plantar uma pequena tília no reconstituído Jardim de Lutero em Wittenberg; retribuindo o presente, sob o meu sucessor os luteranos plantaram uma oliveira na Basílica romana de São Paulo extra-muros.

Quem planta uma pequena árvore nutre esperança, mas tem necessidade também de paciência. A plantinha deve, em primeiro lugar, crescer em profundidade e lançar raízes profundas para poder resistir às adversidades. Também nós devemos ir ad fontes e ad radices. Temos necessidade de um ecumenismo espiritual na leitura comum da Escritura e na oração comum. Em segundo lugar, a arvoreta deve crescer em altura e elevar-se ao céu rumo à luz. O ecumenismo, nós não podemos “produzi-lo”, não o podemos organizar ou tomar à força. A unidade é um dom do Espírito Santo de Deus. De seu poder podemos ter uma escassa estimativa, não podemos lançar apressadamente a toalha e perder a esperança antes do tempo. O Espírito de Deus, que iniciou a obra da unidade, a levará também ao seu cumprimento, uma unidade não como a queremos nós, mas como a quer Ele.

Por fim, a pequena árvore deve crescer em tamanho, para que os pássaros do céu possam fazer o ninho entre seus ramos (Mt 13,32), isto é, para que todos os cristãos de boa vontade encontrem lugar à sua sombra. De acordo com a imagem do poliedro, devemos permitir a unidade em uma grande multiplicidade reconciliada, estar disponíveis em relação a todas as pessoas de boa vontade e dar já hoje testemunho comum de Deus e da sua misericórdia.

A unidade está hoje mais próxima do que há quinhentos anos atrás. Ela já começou. Em 2017 não somos mais, como em 1517, no caminho da separação, mas naquele da unidade. Se tivermos coragem e paciência, no final não ficaremos desiludidos. Esfregaremos os olhos e com reconhecimento, ficaremos estupefatos daquilo que o Espírito de deus, talvez de uma forma totalmente diferente de como nós pensávamos, nos fez chegar lá.

Nesta perspectiva ecumênica, 2017 poderia ser para os cristãos evangélicos e para aqueles católicos uma oportunidade. Deveríamos saber aproveitá-la. Faria bem a ambas as Igrejas, a muitas pessoas que alimentam expectativas a este respeito e também ao mundo que, sobretudo hoje, tem necessidade de nosso testemunho comum.

 

(JE/L'Osservatore Romano)

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Reflexão dominical: o olhar de Jesus toca o coração de Zaqueu

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Cidade do Vaticano (RV) - «A liturgia deste domingo convida-nos a contemplar o quadro do amor de Deus. Apresenta-nos um Deus que ama todos os seus filhos sem excluir ninguém, nem sequer os pecadores, os maus, os marginais, os “impuros”; e mostra como só o amor é transformador e revivificador.

Na primeira leitura um “sábio” de Israel explica a “moderação” com que Deus tratou os opressores egípcios. Essa moderação explica-se por uma lógica de amor: esse Deus omnipotente, que criou tudo, ama com amor de Pai cada ser que saiu das suas mãos – mesmo os egípcios – porque todos são seus filhos.

A segunda leitura faz referência ao amor de Deus, pondo em relevo o seu papel na salvação do homem: d’Ele parte o chamamento inicial à salvação; Ele acompanha com amor a caminhada diária do homem; Ele dá-lhe, no final da caminhada, a vida plena… Além disso, avisa os fiéis para que não se deixem manipular por fantasias de fanáticos que aparecem, por vezes, a perturbar o caminho normal do cristão.

O Evangelho apresenta a história de um homem pecador, marginalizado e desprezado pelos seus concidadãos, chamado Zaqueu, que se encontrou com Jesus e seu amor… Convidado a sentar-se à mesa do “Reino”, esse homem egoísta e mau deixou-se transformar pelo amor de Deus e tornou-se um homem generoso, capaz de partilhar os seus bens e de se comover com a sorte dos pequenos.

O episódio de hoje acontece em Jericó, um oásis situado às margens do mar Morto, a 34 km de Jerusalém. Era a última etapa dos peregrinos que se dirigiam a Jerusalém para celebrar as grandes festividades judaicas.

No tempo de Jesus, Jericó era uma cidade próspera – sobretudo por causa da produção de bálsamo - dotada de grandes e belos jardins e palácios: Herodes, o Grande, fez de Jericó a sua residência invernal. Era situada em um lugar privilegiado e importante da rota comercial.

O personagem que se defronta com Jesus é, mais uma vez, um Publicano, neste caso, um “chefe dos publicanos”, Zaqueu. Era, portanto, um homem que o judaísmo da época considerava um pecador público, um explorador dos pobres, um colaboracionista a serviço dos opressores romanos; logo, um excluído da comunidade salvífica.

O centro da narração evangélica deste domingo é a questão da universalidade do amor de Deus. Deus ama todos os seus filhos sem exceção e tampouco exclui os “impuros”, os pecadores públicos. Aliás, é por eles que manifesta uma especial predileção. Seu amor não é condicional: Ele ama, apesar do pecado! É um amor desmedido, que provoca a conversão do pecador.

A história de Zaqueu é uma história de olhares… O olhar de Zaqueu visava descobrir a pessoa de Jesus; o olhar de Jesus é um olhar de amor: ergueu os olhos e viu Zaqueu… Enfim, o olhar da multidão, que recriminava Jesus por ir à casa de um pecador.

Três olhares bem diferentes uns dos outros! O olhar é uma linguagem que vai para além da palavra. Os nossos olhares falam muito mais alto que a nossa oratória. As palavras podem errar, mas os olhares não.

O olhar de Jesus para Zaqueu não foi um olhar de reprovação de um homem rejeitado pela sociedade. Jesus viu um homem que não tinha ainda compreendido o amor de Deus. Apesar dos pecados de Zaqueu, o publicano, Jesus o olhou com amor que o transformou... o salvou!»

(Reflexão do Padre Cesar Augusto dos Santos para o XXXI Domingo do Tempo Comum)

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Editorial: Divididos por um tempo longo demais

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Cidade do Vaticano (RV) – O Papa Francisco estará na Suécia no próximo dia 31 de outubro: participará de uma cerimônia conjunta em Lund, entre a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial, para comemorar os 500 anos da Reforma que será em 2017. 

Mas qual o sentido dessa comemoração? É uma demonstração dos sólidos progressos ecumênicos entre católicos e luteranos e dos dons recíprocos derivados do diálogo. Será uma comemoração ecumênica conjunta presidida pelo Pontífice, pelo Bispo Munib A. Younan, Presidente da Federação Luterana Mundial, e pelo Rev. Martin Junge, Secretário Geral da mesma Federação. Para o evento, organizado em colaboração com a Igreja da Suécia e a Diocese de Estocolmo, está prevista uma celebração comum baseada na “Common Prayer – Oração Comum”, o recente guia litúrgico preparado pelos católicos e luteranos e enviado às Igrejas da Federação e às Conferências Episcopais Católicas.

Da parte luterana, o aniversário da Reforma será comemorado em “um espírito de responsabilidade ecumênica”, explicou o Rev. Martin Junge nos dias passados, acrescentando como trabalhando “para a reconciliação entre luteranos e católicos”, se trabalhe pela justiça, a paz e a reconciliação em um mundo dilacerado por conflitos e violências.

Concentrando-se juntas sobre a “centralidade da questão de Deus” e sobre uma abordagem “cristocêntrica”, disse o Cardeal Koch…. as duas comunidades terão a possibilidade de celebrar a comemoração ecumênica da Reforma “não simplesmente de modo pragmático, mas com um sentido profundo da fé em Cristo crucificado e ressuscitado”.

O que brota desse evento é o desejo que o mesmo contribua para a unidade dos cristãos em todo o mundo e que ajude a olhar para o futuro de modo tal a sermos testemunhas de Jesus Cristo e do Seu Evangelho no mundo secularizado de hoje.

A comemoração ecumênica conjunta se enquadra no processo de recepção do documento de 2013 “Do conflito à comunhão”, a primeira tentativa das comunidades luteranas e católicas de descrever juntos, em nível internacional, a história da Reforma e das suas intenções. A Oração Comum, no centro da celebração se baseia em particular no documento “Do conflito à comunhão: comemoração comum luterano-católica da Reforma em 2017” e apresenta os temas de ação de graças, de arrependimento e de compromisso ao testemunho comum, com a finalidade de exprimir os dons da Reforma e pedir perdão pelas divisões seguidas às disputas teológicas.

E o ano de 2017 coincidirá também com os 50 anos do diálogo internacional luterano-católico, do qual brotaram relevantes resultados ecumênicos, como a “Declaração conjunta sobre a Doutrina da Justificação”, assinada em 1999, cancelando “disputas antigas de séculos” sobre verdades fundamentais da Doutrina da Justificação, que estava no centro da Reforma no século XVI.

Já no início da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos deste ano, que aqui na Europa se realiza em janeiro e no Brasil entre a Ascensão e Pentecostes, o Papa Francisco recebendo a delegação ecumênica da Igreja Luterana da Finlândia, recordou os resultados conseguidos no diálogo entre luteranos e católicos, evidenciando como as diferenças que “ainda hoje permanecem na doutrina e nas práxis” não devem nos desencorajar mas impulsionar-nos a prosseguir juntos no caminho em direção de uma sempre maior unidade, também superando antigas concepções e reticências. Sobretudo em um mundo, como o de hoje, “muitas vez dilacerado por conflitos e marcado pelo secularismo e indiferença”. Por isso, disse Francisco, “todos unidos somos chamados a nos comprometermos em professar Jesus Cristo, tornando-nos sempre mais testemunhas críveis de unidade e artífices de paz e reconciliação”. Isso porque a divisão é um “escândalo”.

As Igrejas luteranas sempre celebraram os centenários da Reforma. No passado essas manifestações se realizaram “contra” a Igreja Católica, ou assumiram um caráter nacional. Em 2017, porém, pela primeira vez se abriu a possibilidade de celebrar este aniversário em um clima de diálogo. A Federação Luterana Mundial trabalhou muito nesta direção e hoje a abertura desta celebração na Suécia, na presença do Papa Francisco é um bonito sinal de reafirma este compromisso. E um importante testemunho comum para um futuro baseado no diálogo.

Devemos sublinhar que na Suécia o Papa não celebra a divisão, mas a vontade de encontro, que significa a superação de uma mentalidade baseada no confronto. Confronto que infelizmente viu durante cinco séculos católicos e luteranos, contrapostos, quase querendo afirmar conceitos, em certos momentos, somente para ser contrário ao outro. Por isso a viagem de Francisco na próxima segunda-feira, certamente recordará um evento doloroso, o da divisão, mas acima de tudo lançará sementes para um futuro de alegria, paz, comunhão e união entre irmãos, irmãos divididos por um tempo longo demais. (Silvonei José)

 

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Atualidades



Acompanhe com a RV a viagem do Papa à Suécia

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Cidade do Vaticano (RV) – Por ocasião da visita de dois dias do Papa Francisco à Suécia, a Rádio Vaticano transmitirá três eventos ao vivo, com comentários em português. Os horários indicados se referem a Brasília.

Segunda-feira, 31 de outubro

. Oração ecumênica na Catedral de Lund às 11h15

. Encontro ecumênico no Ginásio de Malmo às 13h30

Terça-feira, 1º de novembro

. Santa Missa no Estádio Swedbank de Malmo às 06h15 

Além das transmissões ao vivo, um correspondente do Programa Brasileiro irá acompanhar na Suécia a viagem do Pontífice.

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Atenção emissoras que retransmitem a Rádio Vaticano

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Cidade do Vaticano (RV) - A partir do dia 30 de outubro, com o fim do horário de verão na Itália, nossos programas retornam ao horário habitual no Brasil. Ou seja: 7h (Boletim), 8h (Programa da manhã), 14h (Programa da tarde). A réplica vai ao ar às 21h30. A diferença entre os dois países passa a ser de três horas.

O Programa “Em Romaria”, sempre às quintas-feiras, chegará às 13h, assim como o Programa “Porta Aberta no Ano da Misericórdia”, às quartas-feiras. 

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